Democracia à Parque Mayer - João Miguel Tavares - Diário de Noticias
A abertura do novo Casino Lisboa, com o Parque Mayer a despencar e a apodrecer, é uma pouca-vergonha e um atestado de imbecilidade passado a todos os lisboetas. Eu não duvido de que o senhor Stanley Ho tenha inundado a Câmara de Lisboa com muitos milhões de euros, que serão canalizados para as mais diversas actividades, algumas delas meritórias. A questão, contudo, é outra. Existia um compromisso explícito entre quem há um par de anos governava Lisboa (o inesquecível Santana) e os lisboetas - o casino iria ser construído pela única e exclusiva razão de que não havia outra forma de financiar a reconversão do Parque Mayer e os avultados honorários do arquitecto Frank Gehry. Findo todo este tempo, Gehry transformou-se no turista mais caro de Lisboa e as ruínas do Capitólio contrastam agora com as luzes de néon do novo casino. É moralmente obsceno: seria o mesmo que eu pedir ao meu avôzinho para adiantar parte da herança de forma a tapar um buraco no telhado e acabar a gastar o dinheiro em decorações para a sala.
As democracias foram inventadas para os povos se livrarem de quem governa mal, sem necessidade de cortar pescoços nas ruas e nos palácios. É uma bela invenção. Mas com o uso do conceito e a manha dos homens, as democracias transformaram-se também num instrumento muito útil para que quem manda se possa demitir das suas responsabilidades, transferindo para o próximo os problemas mais intrincados. Os que chegam dizem que as culpas são dos que os antecederam; e aqueles que os antecederam dizem que já não estão lá para resolver os problemas. O Parque Mayer e o Casino Lisboa são um triste exemplo de espinha fraca e incapacidade para assumir compromissos. O casino foi dado como certo em 20 locais diferentes, e no Parque Mayer continuam a ser averiguados os meios para inquirir a pertinência de avaliar a necessidade da coisa e tal e não sei quê. Santana e Carmona já foram melhores amigos, mas deviam discutir entre si quem devia pintar a cara de vergonha. Eu ofereço-me para pagar a tinta.
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