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sábado, abril 19, 2008


Ode pagã

Viver! - O corpo nu, a saltar, a correr
Numa praia deserta, ou rolando na areia,
Rolando, até ao mar... (que importa o que a alma
anseia?)
Isto sim, é viver!

O Paraíso é nosso e está na terra. Nós
É que temos o olhar velado de incerteza;
E julgamos ouvir a voz da Natureza
Ouvindo a nossa voz.

Ilusões! O triunfo, o amor, a poesia...
Não merecem, sequer, um dia à beira-mar
Vivido plenamente, - a sorver, a beijar
O vento e a maresia.

Viver é estar assim, a fronte ao céu erguida,
Os membros livres, as narinas dilatadas;
Com toda a Natureza, em espírito, as mãos dadas
- O resto não é vida.

Que venha, pois, a brisa e me trespasse a pele,
Para melhor poder compreendê-Ia e amá-Ia!
Que a voz do mar me chame e ouvindo a sua fala,
Eu vá e seja dele!

Que o Sol penetre bem na minha carne e a deixe
Queimada para sempre! As ondas, uma a uma,
Rebentem no meu corpo e eu fique, ébrio de espuma,
Contente como um peixe!



Carlos Queiroz
Desaparecido
Breve Tratado de Não-Versificação
Edições Ática
1984

domingo, outubro 29, 2006


Elegia da Infância

Morta a infância, o que restou,
Não tem beleza nem condão:
- Um banal arremedo de presença,
Que os espelhos acusam
De temer a verdade...
Uma alma transida de mistério,
Procurando, na treva,
Um mundo que não há.

Morta a infância , que fazer?
- Cobri-la com um sorriso,
Erguer ao céu os olhos marejados
E deixá-la afundar-se
No abismo do tempo.

Morta a infância, que se apague
O meu rastro, na vida,
Já sem milagre nem grandeza!
Mas brandamente, ao menos, brandamente...
- Como pegadas em areia fina,
Delidas pela brisa
Duma tarde estival.

Carlos Queirós

quarta-feira, outubro 25, 2006

terça-feira, outubro 24, 2006

Recordar o Poeta Carlos Queirós (um dos meus Poetas mais queridos)

Queirós, Carlos (José Carlos Queirós Nunes Ribeiro)

(1907 - 1949)


Poeta português, natural de Lisboa. José Carlos Queirós Nunes Ribeiro estudou na Universidade de Coimbra. É considerado um elo de ligação entre as gerações de Orpheu e da Presença, estando o seu nome sobretudo ligado a esta última. Colaborou em várias publicações, como a Revista de Portugal, a Contemporânea, a Variante, a Atlântico, e dirigiu a Litoral e a Panorama.

Distinguindo-se de muitos dos traços típicos da poesia presencista, os seus temas principais são os da nostalgia da infância, do amor e do ofício de poeta, temas tradicionais envoltos num certo humor irónico, num estilo depurado que conjuga classicismo, romantismo e modernidade. Escreveu Desaparecido (1935, Prémio Antero de Quental) e Breve Tratado de Não-Versificação (1948). Deixou, também, inéditos, incluídos no volume póstumo Poesia de Carlos Queirós (1966). É, ainda, autor dos ensaios Homenagem a Fernando Pessoa (1936) e de uma Carta à Memória de Fernando Pessoa, publicada na Presença, nº 40, Julho de 1936.



Libera me

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.

Carlos Queirós

Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
"De casa de seus pais desapar'ceu..."
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.

Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.

Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto de arrependimento.

Eu, que pudesse, enfim, ser meu
- Livre o instinto, em vez de coagido.
"De casa de seus pais desapar'ceu..."
Eu, o feliz desapar'cido!

Carlos Queirós

Paisagem
Nós sabemos que é grave o que se passa
Quando nada parece acontecer.
Nada se passa, não se passa nada,
Nem graça nem desgraça,
Nem uma ideia vem para entreter,
Nem um amigo para conversar,
Nem essa cara que se vê passar
Todos os dias ao entardecer.
Nem toca o telefone, nem na escada
Há um ruído estranho. Nada, nada
Parece acontecer. Nem graça nem desgraça...
Mas sabemos que é grave o que se passa:
- É a morte que anda à caça
E o tempo que anda a pascer.


Nós sabemos que é grave o que se passa
Quando nada parece acontecer.
Nem graça nem desgraça...
- É a morte que anda à caça
E o tempo que anda a pascer.


Carlos Queirós

terça-feira, julho 19, 2005

Carlos Queiroz

APELO À POESIA

Por que vieste? - Não chamei por ti!
Era tão natural o que eu pensava
(Nem triste nem alegre, de maneira
Que pudesse sentir a tua falta...)
E tu vieste
Como se fosses necessária!

Poesia! nunca mais venhas assim:
Pé-ante-pé, cobardemente oculta
Nas ideias mais simples,
Nos mais ingénuos sentimentos:
Um sorriso, um olhar, uma lembrança...
- Não sejas como o Amor!

É verdade que vens como se fosses
Uma parte de mim que vive longe,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível;
Mas não regresses mais sem que eu te chame
- Não sejas como a Saudade!

De súbito, arrebatas-me, através
De zonas espectrais, de ignotos climas;
E, quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar.
Poesia! nunca mais venhas assim
- Não sejas como a Loucura!

Embora a dor me fira, de tal modo
Que só as tuas mãos saibam curar-me,
Ou ninguém, senão tu, possa entender
O meu contentamento,
Não venhas nunca mais sem que eu te chame
- Não sejas como a Morte!

sexta-feira, junho 03, 2005

Dois poemas para o fim-de-semana

BAILATA DOS DOIDOS
Se os doidos não sabem
Seu nome e idade
- Quem dera ser doido,
Que felicidade!
Se os doidos não sentem
As mágoas reais
- Quem dera ser doido,
Não as sentir mais!
Se os doidos não vêem
Como os outros são
- Quem dera ser doido,
Ter essa ilusão!
Se os doidos não cuidam
Do que é necessário
- Quem dera ser doido,
Sem este fadário!
Se os doidos não temem
A hora da morte
- Quem dera ser doido,
Para ser tão forte!
Carlos Queiroz, Epístola aos Vindouros e outros poemas, Edições Ática
FADO
A que tinha no andar restos de infância
Saudosos de correr atrás do arco,
Deixando no ar um rastro
De inocência e de constância;
A que no olhar denunciava
- Quando olhava sem ver, mas calma e doce -
Sintomas de morte precoce;
A que lembrava
Quando sorria, estar pensando
Nas fadas dos contos antigos;
A que num lago sem perigos
- No mínimo gesto brando
Das suas mãos impolutas -
Dava a imagem da vida...
É hoje a mais conhecida
No bairro das prostitutas.
Junho de 1930
Carlos Queiroz, Desaparecido * Breve Tratado de Não-Versificação,
Edições Ática

quinta-feira, março 03, 2005

CARLOS QUEIRÓS

APELO À POESIA

Porque vieste? - Não chamei por ti!
Era tão natural o que eu pensava,
(Nem triste, nem alegre, de maneira
Que pudesse sentir a tua falta...)
E tu vieste,
Como se fosses necessária!

Poesia! nunca mais venhas assim:
Pé ante pé, cobardemente oculta
Nas ideias mais simples,
Nos mais ingénuos sentimentos:
Um sorriso, um olhar, uma lembrança...
– Não sejas como o Amor!

É verdade que vens, como se fosses
uma parte de mim que vive longe,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível;
Mas não regresses mais sem que eu te chame,
– Não sejas como a Saudade!

De súbito, arrebatas-me, através
De zonas espectrais, de ignotos climas;
E, quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar...
Poesia! nunca mais venhas assim
– Não sejas como a Loucura!

Embora a dor me fira, de tal modo
Que só as tuas mãos saibam curar-me,
Ou ninguém, se não tu, possa entender
O meu contentamento...
Não venhas nunca mais sem que eu te chame,
– Não sejas como a Morte!

Poesia de Carlos Queirós