domingo, junho 26, 2005

Maria Rattazzi - Portugal de Relance - Carta Décima Quinta - Continuação

"Começaram em eras remotas a aproveitar os trabalhos executados pelos mouros, que foram os primeiros canalizadores do mundo e os mais hábeis hidrófilos. Depois, no século passado, fizeram novos trabalhos e por último o governo concedeu, há alguns anos, a uma companhia a concessão do fornecimento de águas da cidade. Ignoro em que condições se realizou este contrato. Mas suponho que não se estabeleceram regras bastante severas, ou antes, segundo ouvi dizer, não se executaram com a devida seriedade. O que é verdade é que os trabalhos caminham lentamente e que só estarão acabados quando metade da população tiver morrido de gosma. Queixaram-se alguns jornais das irregularidades da companhia e chamaram a atenção do governo para que tomasse na devida conta o interesse das gargantas secas; mas o governo parece ter razões particulares para não atender essas reclamações, porque não ouviu ou fingiu não ouvir.
Poucos países existem onde se consuma tanta água e onde se encontre tão pouca. Julgo que não há em toda a cidade de Lisboa três estabelecimentos de banhos quentes e os que existem pertencem a hotéis mais frequentados por estrangeiros. Em Lisboa tomam-se banhos unicamente por conselho dos médicos ou por motivo de doença. No Outono é que os portugueses se desforram, banhando-se no mar durante os meses de Setembro, Outubro e Novembro; dizem que os banhos, nesse tempo, são mais proveitosos. Qual a razão? Hipócrates e Galeno que respondam.
No Inverno Portugal é excessivamente regado pelas águas do céu: por vezes, é mesmo demasiadamente; mas logo nos primeiros dias de Maio desaparecem as nuvens e o firmamento adquire uma cor serena e igual, não tornando a chover habitualmente até Outubro. É nessa época que a cidade carece de maior fornecimento de água; ora é justamente nesta época que falta a água para satisfazer as necessidades públicas. E efectivamente, os portugueses, ou porque bebem por natureza ou porque sejam excitados pela grande quantidade de peixe de que se alimentam, absorvem água como esponjas. Em todas as esquinas das ruas, em todas as praças públicas, em todos os passeios, em toda a parte enfim, deparam-se-nos vendedores de água cujo estabelecimento consta de uma bilha e dois copos. Todos eles têm numerosa freguesia, que bebe com a avidez de quem sente dentro de si um incêndio enorme.
Sempre que um português visita alguém a primeira coisa que faz é pedir-lhe um copo de água; quando sai de casa, quando entra, quando se deita, quando se levanta, sempre um copo de água! Costume altamente prejudicial, porque sendo as águas excessivamente calcárias arruinam o estômago e predispõem aos cálculos na bexiga, muito vulgares em Lisboa. Que importa, porém, se a troco de cinco ou dez réis por copo se satisfazem a sua paixão?" - Continua

1 comentário:

Gustavo Monteiro de Almeida disse...

E eu que peço sempre um copo com água sempre que bebo um café...