quarta-feira, maio 18, 2005

Maria Rattazzi - Portugal de Relance - Carta Décima Quinta

Nos próximos dias irei transcrever-vos a carta 15ª do livro "Portugal de Relance", de Maria Rattazzi, na edição recente da editora Antigona.
Chamo a atenção para o humor extraordinário destes textos que não devem deixar de serem lidos.
"Lisboa por dentro - As casas - Os quartos - As pias - Os parasitas - A alimentação - A cozinha - A questão da água - Sistema de esgoto - Primeiro os vivos, depois os mortos - Os enterros
Como quase todas as grandes capitais da Europa, Lisboa divide-se em duas cidades: Lisboa antiga e Lisboa moderna. Em toda a parte diferem; em Lisboa, porém, assemelham-se como a irmã mais velha à irmã mais nova de uma família em que todos os congéneres se confundem. A parte moderna de Lisboa só tem de moderno a colocação das pedras, muito juntas umas das outras. O resto pertence ao passado: o sistema de construção, a disposição interna, portas, janelas, escadas, sem falar da mobília e na colecção de parasitas: insectos, ratos, gatos, que são como que parte integrante da casa e do seu pessoal.
A feição comum mais característica das construções, tanto modernas como antigas, é a falta de um pátio interior, o que dá em resultado não receberem as casas luz senão pela frente e pela retaguarda, de forma que os compartimentos do centro ficam transformados em câmaras escuras sem ar nem claridade. As divisões da frente que dão para a rua utilizam-se para salas; as que recebem luz pela parte posterior servem para cozinha e casa de jantar; os compartimentos escuros do centro reservam-se para quartos de dormir.
Os portugueses desprezam quase totalmente a mobília. Na sala, um canapé, dois fauteuils e cadeiras de palhinha. É notável a indiferença que mantêm com respeito a comodidades. Na maioria dos palácios reais, ou clubes, nas assembleias, no elegante Club Portuense e mesmo no casino das Caldas da Rainha, frequentado aliás por príncipes, não se vê senão a tradicional cadeira de palhinha! Por vezes, em casa de alguns portugueses pertencentes à burguesia, amantes das belas-artes, deparam-se-nos vários animais de vidro, porcelanas modernas, abat-jours de papel recortado, relógios da Floresta Negra, conhecidos vulgarmente pelo nome de cucos, etc.
Nos quartos de dormir, um leito de ferro com dois colchões de palha batida, pisada e tão dura que quem nela se deita pela primeira vez fica durante muitos dias inteiriçado como uma tábua e privado de servir-se das articulações.
Do uso desses leitos conservo ainda dolorosas reminiscências. Uma cadeira e uma mesa de cabeceira completam a mobília."
Continua

2 comentários:

Gustavo Monteiro de Almeida disse...

Apesar da existência de diversas e honrosas excepções, continua-se, hoje, a edificar a habitação (neste caso apartamentos) em Portugal de uma forma pouco ou nada condizente com aquilo que é necessário em termos de vivências no interior de uma casa.

Podem já ter sido deslocados os quartos para a periferia do espaço vivencial, para poderem ter mais luz e arejamento, mas continuam a ser incrivelmente minúsculos… Mesmo quando se tratam de trabalhos assinados por arquitectos.

Estes textos de Maria Rattazzi são extremamente interessantes para podermos avaliar o estado de desenvolvimento (ou estagnação, por vezes) da sociedade portuguesa nas suas mais diversas vertentes.

Continua!!

Anónimo disse...

Olá! estou a estudar a idade média em portugal e gostava de perceber melhor a carta quarta de Rattazzi no seu livro "Portugal de Relance" se me pudesse ajudar era optimo.

Obrigada