domingo, março 20, 2005

Textos de Maria Rattazzi - ano de 1879

CARTA OITAVA
Os espectáculos - Teatros: de D. Maria II, Ginásio, Príncipe Real, Recreios Whittoyne, Rua dos Condes, Variedades - O circo Price - As pateadas - Usos e costumes teatrais - O actor Santos - Emília das Neves
«Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és», observava um homem de espírito. Toca-me a vez de dizer, modificando o velho prolóquio popular, como Brillat-Savarin: «Diz-me que teatros frequentas, dir-te-ei quem és.»
O teatro D. Maria II, situado numa das extremidades da Praça de D. Pedro, forma como construção um monumento isolado. A sala é elegante, fabricada no gosto italiano; os camarotes grandes e cómodos; o foyer encantador.
Este teatro foi criado e veio à luz do mundo com um fim especial, com uma missão puramente nacional: deviam-se representar nele, segundo o pensamento gerador, peças exclusivamente portuguesas - tragédias, dramas, comédias -, salvo raras excepções; ora, ao presente, não se representam senão peças francesas, especialmente as que têm mais voga no momento em Paris. Tratava-se, primeiro, de favorecer a arte nacional, estimulando e alentando a coragem dos talentos mais prometedores, mas actores e autores estão ainda reduzidos às próprias forças; o governo transportou a sua protecção oficial para as regiões do paltonismo. Dadas estas circunstâncias, o infeliz teatro morre de inanição. E contudo conta no seu grémio bastantes actores distintos, alguns mesmo hors ligne; mas, que fazer com a indeferença do Estado e sobretudo com a minguada solecitude do público? Trabalha-se por ofício, e que ofício! Traduções absurdas de obras ineptas a maior parte das vezes. Quanto à arte nacional, salva-se o negócio. Deus sabe como, e debate-se no vácuo.
Como artistas dramáticos, salvo algumas excepções aliás raras, os actores são geralmente mais notáveis so que as actrizes. Emília das Neves, uma artista que em todos os países seria reputada uma sumidade, merece ser apontada como a excepção que confirma que a regra.
Os dois irmãos Rosa, são artistas de mérito; o seu talento chega por vezes a ter radiações que comunicam o fogo sagrado aos seus colegas. Vi-os representar nos Fourchambaults de maneira distintíssima, e se Augier os visse ficaria impressionado, seguramnte. Quanto ao pai desses actores, de tal modo se encarnou em o Marquês de la Seiglière, que faz esquecer Samson. Infelizmente, os esforços destes artistas conscienciosos são de todo o ponto estéreis. Em geral representam unicamente para as aranhas e, ainda mesmo nos lances do drama mais patético ou mais turbulento, não conseguem interrompê-las no trabalho melancólico e solitário da teia. Algumas vezes o domingo faz milagre de levar espectadores ao abandonado teatro. Nesses dias, os burgueses pacatos e atarefados vão ali descansar das canseiras da semana, nas cadeiras pouco cómodas da plateia. Recostam-se, docemente divididos entre as situações comoventes da peça e as doçuras seráficas do sono." - Continua
Maria Rattazzi - "Portugal de Relance" - Antigona, 2004. Titulo original de 1879 "Le Portugal à vol d'oiseau".

Sem comentários: