sexta-feira, março 25, 2005

Textos de Maria Rattazzi - 1879

- Continuação
"O Ginásio, é um teatro pequeno assaz elegante, género do Théâtre-Déjazet, de Paris. Representam-se aí vaudevilles e comédias francesas traduzidas em português. Uma vez por outra, peças de ocasião. Não está permanentemente aberto pela simples razão de que as receitas são mais do que medíocres. Os artistas e os directores encontram-se frequentemente uns para com os outros na mesma situação em que o sr. Talleyrand se achava para com um credor importuno:
- Desejava saber, disse este, quando V.ª Ex.ª me pagava.
- O sr. é muito curioso! Respondeu o príncipe.
Não obstante, o actor António Pedro, uma notabilidade da cena, um artista verdadeiramente distinto, representa nessa teatro, de maneira inexcedível, a obra-prima de António Enes, O Saltimbanco, secundado por duas jovens e formosas actrizes: Beatriz Rente e Emília dos Anjos. Pode dizer-se que os artistas gozam de uma graça da profissão: representam por amor da arte.
O teatro da Trindade toma o nome do bairro em que está situado. A sala, muito elegante, é construída pouco mais ou menos pelo modelo das salas francesas, com balcão e galerias. A companhia dedica-se especialmente às operetas de Offenbach, de Lecoq e outras, traduzidas em português. As peças são bem postas em cena, mas cantadas de maneira deplorável. Contudo, há neste teatro um artista, o sr. Ribeiro, actor de verdadeiro talento, e de mérito que merece ser registado. O teatro é bastante frequentado, se bem que os preços sejam relativamente elevados. Mas o ouro é uma quimera, tanto neste como nos outros templos de Talia. Os accionistas, que subscreveram com os seus dinheiros para a empresa num acesso de entusiasmo, apenas conhecem regularmente a época em que deveriam receber os dividendos das suas acções.
O teatro do Príncipe Real é um pequeno teatro que, como o do Ginásio, vive apenas durante alguns meses do ano. Estiveram ali duas troupes de opereta francesa com artistas franceses que não foram mais felizes do que as indígenas.
Os Recreios Whittoyne merecem atenção. É uma curiosidade sob muitos pontos de vista.
O sr. Whittoyne era um clown inglês que encantava o público dos circos pelas suas deslocações, arlequinadas e pantomimas. Dotado do instinto mercantil da sua pátria, teve a habilidade de farejar capitalistas e de conseguir interessá-los na ideia de criar um jardim de Verão, com diversões, jogos e teatro; o que prova a sua inteligência e constitui o seu melhor elogio, porque não é negócio de pouca monta, segundo me informam, resolver um português que tem dinheiro a empregar os seus fundos de maneira diversa que não seja a do empréstimo com hipoteca privilegiada, a juro de 25 por cento! Mas como descobrir, como obter um jardim no centro de Lisboa? Não era fácil empresa. Procurou-se, investigou-se por muito tempo; cansados de explorar, foram por fim assentar vistas numa propriedade do marquês de Castelo Melhor, numa colina cortada a pique, para a qual se sobe por quinze ou vinte lances de escada, habilmente dissimulados, mas cujos declives era preciso suavizar.

Encontrado o local, tratou-se de recrutar accionistas; constituiu-se uma empresa e emitiram-se acções de 100 francos, que tiveram fácil colocação, porque representavam uma multidão de direitos, qual deles mais próprio para engodar: a entrada livre, o passeio, o concerto, etc,; enfim, a colónia viu aparecer sucessivamente sobre as suas cristas, um pouco espantadas, um teatro de madeira e de cartão pintado, uma galeria de lona pintada, quiosques de papelão pintado, um circo liliputiano de papel pintado, e tudo isto subordinado a uma dministração igualmente de papelão pintado, porque, pouco tempo depois da abertura desse maravilhoso Eldorado que prometia todos os prazeres e que se inaugurara ao som dos hinos de risonhas esperanças, vendiam-se as acções, nas ruas de Lisboa, a 25 sous cada uma. Ora, aí está o que são as coisas!"
- Continua

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