Sobre a Morte e o Morrer - Walter Osswald - €3.15
Numa escrita simples e bem fundamentada, Walter Osswald traça um panorama reflexivo e histórico sobre "o processo de morrer", a forma como é (devia ser) encarado, com o enfoque nos doentes terminais e salientando (elogiando), por diversas vezes, a necessidade de uma maior expansão dos cuidados paliativos e preparação/formação das equipas de saúde.
Saliento os notáveis capítulos:
- Um manto de cuidados
- Quem cuida do cuidador?
- A morte anunciada
- Dor e sofrimento
- A morte e os outros
Retiro da conclusão da obra:
"Na sua longuíssima convivência com a morte, o Homem sempre foi confrontado com o mistério e a inevitabilidade. Em diferentes fases do seu percurso civilizacional, personificou-a (como Cavaleiro do Apocalipse, como Thanatos, como Irmã Morte, como esqueleto armado de roçadoura, etc) ou endeusou-a (Egipto). Tornada presença habitual pelas pestes que grassaram na Europa, pelas guerras que a dilaceraram, pelas deficientes condições higiénicas, pela elevada taxa de perda perinatal e infantil, acabou por ser domada, na medida em que se tornou acontecimento quase banal, temido mas não estranho.
A esta fase seguiu-se a do escamoteamento, senão negação, da morte: já que não a podemos evitar, ignoremo-la. Logo, nada de a lembrar nem celebrar: esconde-se das crianças, não se dá relevo público, remete-se para o hospital, de modo que as nossas casas não sejam por ela assinaladas nem detectado o seu odor.
Este esforço pueril e votada ao fracasso tem sido, felizmente, denunciado e combatido. Reconhecer a morte, atribuir significado e exigência ao processo de morrer são hoje as linhas mestras do pensamento antropológico e filosófico. Se há um inegociável e universalmente válido direito à vida, também há um direito à boa morte, ou seja, uma morte em condições de dignidade e de compostura, sem sofrimento, aureolada de afecto.
Mas a realidade mostra-nos que ainda muitas vezes se morre em distanásia, ou seja, uma má morte. Morre mal o paciente que morre sozinho, ocultado dos campanheiros de enfermaria por biombos ou retirado para uma sala de pensos; morreu mal aquele a quem retiram o suporte respiratório horas depois de ter ocorrido a morte; morre mal a pessoa que não teve a companhia de familiares, amigos ou companheiros de trabalho ou o conforto dos ritos da sua religião. Se estas situações são sobretudo hospitalares, o facto de o óbito se dar no domicilio não é garante de uma boa morte - condições materiais deficientes, falta de carinho e de humanidade, solidão, podem também ocorrer nestas condições. [...]
Na realidade, a questão da boa ou má morte, tal como delineamos, diz sobretudo respeito às mortes anunciadas, ou seja, aquelas que surgem em doentes terminais e se encontram, pois, previstas. Ora, a implantação e rápida expansão dos cuidados paliativos vieram demonstrar que nestas circunstâncias é possível unir os esforços dos profissionais, da familia e do próprio doente para que a morte ocorra em aceitação, serenidade e paz. O principio básico de não acelerar nem retardar a morte natural é observado nos cuidados paliativos. Daí que não se pratique o erro trágico de recorrer a medidas e técnicas desproporcionadas, tentando desesperadamente e a elevado custo atrasar uma morte inevitável, nem se recorra à eutanásia, paradoxalmente matando quem vai morrer.
O que urge é não apenas o reforço e a criação de cuidados paliativos (unidades autónomas ou sedeadas no hospital, cuidados domiciliários em articulação com unidades ou centros de saúde), mas a conversão de mentalidades de profissionais e de pacientes ou familiares para que se abram a este conceito da boa morte e a adoptem na sua acção, sem esquecerem que, mais cedo ou mais tarde, todos estaremos em condições de a experienciarmos."
Numa escrita simples e bem fundamentada, Walter Osswald traça um panorama reflexivo e histórico sobre "o processo de morrer", a forma como é (devia ser) encarado, com o enfoque nos doentes terminais e salientando (elogiando), por diversas vezes, a necessidade de uma maior expansão dos cuidados paliativos e preparação/formação das equipas de saúde.
Saliento os notáveis capítulos:
- Um manto de cuidados
- Quem cuida do cuidador?
- A morte anunciada
- Dor e sofrimento
- A morte e os outros
Retiro da conclusão da obra:
"Na sua longuíssima convivência com a morte, o Homem sempre foi confrontado com o mistério e a inevitabilidade. Em diferentes fases do seu percurso civilizacional, personificou-a (como Cavaleiro do Apocalipse, como Thanatos, como Irmã Morte, como esqueleto armado de roçadoura, etc) ou endeusou-a (Egipto). Tornada presença habitual pelas pestes que grassaram na Europa, pelas guerras que a dilaceraram, pelas deficientes condições higiénicas, pela elevada taxa de perda perinatal e infantil, acabou por ser domada, na medida em que se tornou acontecimento quase banal, temido mas não estranho.
A esta fase seguiu-se a do escamoteamento, senão negação, da morte: já que não a podemos evitar, ignoremo-la. Logo, nada de a lembrar nem celebrar: esconde-se das crianças, não se dá relevo público, remete-se para o hospital, de modo que as nossas casas não sejam por ela assinaladas nem detectado o seu odor.
Este esforço pueril e votada ao fracasso tem sido, felizmente, denunciado e combatido. Reconhecer a morte, atribuir significado e exigência ao processo de morrer são hoje as linhas mestras do pensamento antropológico e filosófico. Se há um inegociável e universalmente válido direito à vida, também há um direito à boa morte, ou seja, uma morte em condições de dignidade e de compostura, sem sofrimento, aureolada de afecto.
Mas a realidade mostra-nos que ainda muitas vezes se morre em distanásia, ou seja, uma má morte. Morre mal o paciente que morre sozinho, ocultado dos campanheiros de enfermaria por biombos ou retirado para uma sala de pensos; morreu mal aquele a quem retiram o suporte respiratório horas depois de ter ocorrido a morte; morre mal a pessoa que não teve a companhia de familiares, amigos ou companheiros de trabalho ou o conforto dos ritos da sua religião. Se estas situações são sobretudo hospitalares, o facto de o óbito se dar no domicilio não é garante de uma boa morte - condições materiais deficientes, falta de carinho e de humanidade, solidão, podem também ocorrer nestas condições. [...]
Na realidade, a questão da boa ou má morte, tal como delineamos, diz sobretudo respeito às mortes anunciadas, ou seja, aquelas que surgem em doentes terminais e se encontram, pois, previstas. Ora, a implantação e rápida expansão dos cuidados paliativos vieram demonstrar que nestas circunstâncias é possível unir os esforços dos profissionais, da familia e do próprio doente para que a morte ocorra em aceitação, serenidade e paz. O principio básico de não acelerar nem retardar a morte natural é observado nos cuidados paliativos. Daí que não se pratique o erro trágico de recorrer a medidas e técnicas desproporcionadas, tentando desesperadamente e a elevado custo atrasar uma morte inevitável, nem se recorra à eutanásia, paradoxalmente matando quem vai morrer.
O que urge é não apenas o reforço e a criação de cuidados paliativos (unidades autónomas ou sedeadas no hospital, cuidados domiciliários em articulação com unidades ou centros de saúde), mas a conversão de mentalidades de profissionais e de pacientes ou familiares para que se abram a este conceito da boa morte e a adoptem na sua acção, sem esquecerem que, mais cedo ou mais tarde, todos estaremos em condições de a experienciarmos."
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