sexta-feira, março 07, 2008

Um pioneiro no estudo do séc. XIX português


Historiador e ensaísta, Joel Serrão morreu quarta-feira, em Sesimbra. Tinha 88 anos. Concebeu e dirigiu a maior empresa historiográfica do século XX, o Dicionário de História de Portugal (Figueirinhas), que teve, em 1965-71, a sua primeira edição em quatro volumes. Só isso bastaria para o definir. Figura, juntamente com Oliveira Marques, como director da Nova História da Expansão Portuguesa e da Nova História de Portugal.

Deixa, no entanto, também obra vasta e, em grande parte, pioneira no domínio da investigação sobre o século XIX e da literatura portuguesa.

No Dicionário escreveu 81 entradas que constituem, segundo Maria de Fátima Bonifácio, "referência obrigatória para quem investigue e escreva sobre o século XIX." A título de exemplo, relembrem-se Socialismo; Telegrafia; Nobreza, Povo, Burguesia, entre outras. Mesmo estando desactualizado - em razão das aquisições historiográficas dos últimos anos -, é possível aos mais novos orientarem-se na investigação a partir dele, explica a historiadora.

José Mattoso considera grande a influência de Serrão na "renovação da historiografia portuguesa no fim do antigo regime e no princípio da época democrática." Salientando que "o uso da documentação literária não é a sua especialidade, mas daquele historiador", sublinhou ao DN a relevância do Dicionário de História de Portugal, que, passados 50 anos, "ainda é consultado. Por intermédio daquele autor, "aplicaram-se novos abordagens e conceitos historiográficos fundamentais para compreender o século XIX português".

O historiador refere-se ao facto de, acompanhado por Oliveira Marques e Magalhães Godinho, Joel Serrão ter sofrido a influência da escola francesa de Bloch e Lucien Lefebvre. E relembra-o como um "bom colega, inteligente, simpático, prudente".

Licenciado em Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras Lisboa, foi não só professor neste estabelecimento como no Instituto Superior de Economia. Transitou depois para a Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Lisboa. Administrador da Gulbenkian, (Pelouro da Ciência), dirigiu a revista e a Colecção Horizonte, onde publicou ensaios sobre temas oitocentistas ou a Antologia do Pensamento Político Português). Tem estudos notáveis sobre Herculano, Antero, Oliveira Martins, Sérgio - de que se reconhecia herdeiro pela visão democrática da história portuguesa.

Não só Joel Serrão valorizou, segundo a antiga directora da Torre do Tombo, Miriam Halpern Pereira, as fontes manuscritas, como foi "um dos promotores do roteiro das fontes da História Contemporânea Portuguesa. Fernando Rosas definiu-o, por outro lado, como "mestre e um pioneiro da História Contemporânea".

Na opinião de Maria Filomena Mónica - que, com António Barreto, deu continuidade ao Dicionário de História de Portugal -, o historiador "olhava a história sem óculos ideológicos", relevando a sua ligação à poesia: "A forma como a tratou revela uma enorme inteligência e sensibilidade." Para a investigadora, "a colectânea mais elucidativa e fidedigna de Cesário foi organizada por ele." Lamentando a morte de Joel Serrão, Veríssimo Serrão sublinhou ainda ao DN que o ensaísta "foi um dos autores que melhor dignificaram a cultura portuguesa ao longo dos tempos."

O funeral de Joel Serrão sai hoje, às 10.00, da Igreja de Santo Condestável para o cemitério dos Olivais, onde o corpo será cremado.
Fonte: Diário de Notícias - 07 Março 2008

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