quarta-feira, junho 20, 2007

Dois Corpos Tombando na Água - Poesia - Alice Vieira



Alice Vieira editou este ano um pequeno livro de poesia que não hesito em proclamá-lo como a "última maravilha da literatura portuguesa".

Confesso que nunca fui leitor de Alice Vieira. Talvez um ou outro livro quando criança, mas depois separei-me dela e nunca estive atento às suas publicações.

Em Maio deste ano, Júlio Machado Vaz e Ana Mesquita dedicaram o seu programa de Domingo, na Antena 1, a este livro "Dois Corpos Tombando na Água".

Ouvi o programa e fiquei fascinado pela conversa que se desenrolou à volta do livro.

Veio a Feira do Livro. Vi o livro, comprei-o, a Alice Vieira estava lá e assinou-mo.

No dia seguinte comecei a leitura. Terminei hora depois, com a sensação de coração cheio. Nem sei se era cheio. Era dilatado de uma sensação estranha, contraditória talvez. Sei que tinha lido uma jóia, um desabafo, um diário, a vida, o Amor e o testamento de uma mulher (da própria Alice, talvez). Mas o que eu senti - e ainda sinto ao relê-lo - não sei se é tristeza e alegria pelo Belo das palavras, se medo de chegar ao fim próximo da vida sem a capacidade de consciência da percepção das sensações, dos odores, dos sabores e dos tactos do Amor. Qualquer tipo de Amor. Terei eu a oportunidade - ou a lucidez - de fazer a interrogação:
"e diz-me
o que de mim amaste noutros corpos
noutras camas noutra pele"
?
Posso assegurar que este será um dos livros mais importantes que alguma vez li e lerei. Não sairá jamais da mesinha de cabeceira (se a tivesse) e será por mim diversas vezes ofertado.
Não quero escrever mais sobre o livro. Não sei mais o que escrever. Deixo apenas um pequeno excerto... um qualquer... pois neste livro qualquer excerto é bom... há excertos que não o são... mas daqui qualquer um será.
"Pelas mãos e pelos olhos eu juro
1
são as mãos que me trazem o amor dos homens
e me largam na fronteira de todos os segredos
que repousaram em mim como no breve espaço
de uma lua fugaz
também as tuas mãos haviam de chegar um dia assim
ou pelo menos foi isso que eu pensei quando
o teu corpo tocou ao de leve a sombra das águas
que tinham corrido ao longo das noites da tua ausência
mas às vezes o destino escreve-se
com inesperados visitantes
e o nosso quarto ficou cheio de vozes mas
nenhuma nos reconhecia por dentro das suas
mais absurdas dissonâncias
e foi então que eu soube que a felicidade
era apenas um complemento
muito circunstancial e remoto de lugar onde
em que nenhum passado que nos pertencesse
faria qualquer sentido
apesar de tudo os meus dedos
ainda procuram reter o sôfrego sabor das horas que faltam
para o prometido regresso
das palavras tecidas de fresco entre a penumbra
das nossas pernas
mas houve sempre desígnios imutáveis
eclipes ravinas ou a ácida saliva das marés
ou simplesmente a ferida de quem vinha
em voz baixa reclamar o que lhe fora roubado
e os meus dedos acabavam por recuar
e as palavras com que em tempos
tinhas esperado por mim
cansaram-se
e são hoje nódoas rosadas no meu corpo
como se o meu corpo fosse um mapa
onde o teu corpo deslocou minúsculas bandeiras
em tempo de guerra

6 comentários:

Maria disse...

Parece-me que tb vou comprá-lo!
Beijinhos

Unknown disse...

Julgo que comigo se passou, o que passa com muita gente, somos leitores, deixamos e acabamos por
a ela voltar ...
Li...dei a ler... li para...
Agora, volto a ela, procurando-a na poesia...
É a Alice Vieira, "mas sendo MAIS ela ainda " !...Existe isso "de ser MAIS" ?...

Unknown disse...

Julgo que comigo se passou, o que passa com muita gente, somos leitores, deixamos e acabamos por
a ela voltar ...
Li...dei a ler... li para...
Agora, volto a ela, procurando-a na poesia...
É a Alice Vieira, "mas sendo MAIS ela ainda " !...Existe isso "de ser MAIS" ?...

Joanamaro disse...

Sou fã de Alice Vieira, sou fã de poesia, sou fã de tudo o que é arte. O teu blog é interessantíssimo. Está na minha lista de favoritos. Obrigada pelos poemas por Mário Viegas. :) Tudo de bom!

Graça disse...

Parabéns pelo blogue. Vim cá ter à procura de uma boa imagem da capa deste belíssimo livro de Alice Vieira e descobri, afinal, muito mais.

Anónimo disse...

Muchas gracias Daniel, estaba buscando una poesia de la autora y encontré esas bonitas letras.Me servirá para poder leer en portugués una noche de verano.Mais uma vez, muito obridada desde Espanha.Parabéns pelo seu blog.