Leiam este fantástico texto escrito em 1885 - por Mariano Pina - sobre o "Manneken-Pis" de Bruxelas. É uma pérola jornalistica do séc. XIX.
A Illustração – Revista Quinzenal para Portugal e Brazil, 05 de Julho de 1885, director Mariano Pina, Paris – cota Biblioteca Nacional J. 1505 M.“Uma grande curiosidade de Bruxellas é o Manneken-Pis. Não se admirem se eu tiver de abusar um pouco de redundancias e outros trucs rhetoricos, para lhes poder explicar o que é o Manneken-Pis, que todo o viajante pode ver, impavido, n’uma rua de Bruxellas, á luz do sol hollandez, protegido por uma grade de ferro.
O Manneken-Pis é um menino de bronze, bonito e rechonchudo como um anjo de Rubens, completamente nu, como um menino Jesus, que se vê de pé, n’uma posição arrogante, a mão esquerda apoiada sobre a cintura, em cima d’uma pedra esculpida que fecha em baixo n’um tanque. É uma fonte collocada no angulo d’uma rua, de encontro a um predio. O jacto d’agua corre dia e noute, incessantemente, do corpo do menino de bronze, sempre claro, sempre fresco, sempre apetecivel, e muita filha de Bruxellas tem alli enchido o copo em noute calmosa d’agosto. Ora este jacto d’agua crystallina, que não corre da pedra esculpida onde o menino pousa, mas sim do proprio menino – corre... (nem eu sei como hei de dizer isto ás gentes graves do Sul, o que é tão natural e tão gracioso entre as gentes do Norte!) corre... corre do sitio onde nas estatuas se costuma pôr uma parra! Mas como se trata d’um innocentinho, illiminou-se a folha de vinha, e vêmol-o impavido, arrogante, a mão esquerda na cintura, a mão direita dirigindo o jacto, com toda a graça e toda a ingenuidade d’um bébé de trez annos...
Um dia um Burgo-mestre de Bruxellas, homem circumspecto, que usava oculos azues e em muita conta tinha os bons costumes e a moral, teve a ideia disparatada e idiota de querer suprimir a fonte – por indecente! O que fariam os catholicos, se um papa ou um bispo decretasse que se collocasse uma parra em todos os meninos Jesus da diocese?!... O que fizeram os moradores de Bruxellas. – Revoltaram-se em massa contra a vontade do Burgo-mestre, e o homem teve de ceder, para não ver a fonte pela primeira vez manchada de sangue. O Manneken-Pis é considerado como um fetiche. Bruxellas sem o seu menino de bronze perdia a metade do seu caracter historico. O Manneken-Pis é um resto da tradição flamenga que fez dos Paizes-Baixos no seculo XVI o povo superior em artes, industrias e sciencias que occupa uma das mais bellas paginas da historia universal.
Este menino de bronze é tambem um ricasso, tendo predios em Bruxellas como qualquer burguez. Ainda ultimamente, uma velha dama sentimental, sem herdeiros forçados, lhe deixou em testamento perto d’um milhão de francos. O executor testamentário é o Burgo-mestre da cidade. E todos os dias de festa, os moradores de Bruxellas gosam do curioso espectaculo de ver o seu Manneken-Pis fardado de general, chepéo armado, casaca de velludo bordado a ouro e prata, calções de velludo, botas de polimento, luvas brancas... Um deslumbramento!
Houve por um momento a ideia, n’estes dias de festa, ao vêl-o assim tão janota e tão bello, de que seria conveniente... fechar-lhe a torneira! Mais outra ideia d’um outro Burgo-mestre... Sempre a embirrarem com o anjinho, os maldictos! Se o proprio monarcha embirra alguma vez com elle – a corôa corre-lhe o risco! Porque de novo o publico se oppôz, e oppôz-se inergicamente a que fosse supprimido o jacto, pelo facto do anjinho se vestir de general...
E teve de se fazer um furo no riquissimo velludo! E ou seja de dia ou de noute, ou dia ordinario ou dia de festa – Manneken-Pis, do alto da sua fonte, para regalo e orgulho da bella cidade de Bruxellas, continua dirigindo, imperturbavelmente, o seu jacto... que até parece um bombeiro!..."
MARIANO PINA
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