Como artista fez arte pela arte. Como benemérita fez o bem pelo bem. Uma aristocrata do século XIX a quem se devem as “Cozinhas Económicas”, uma das raras escultoras que existiram em Portugal.
Maria Luísa de Sousa Holstein, duquesa de Palmela.
Na segunda metade do século XIX, começos do século XX, o panorama das Artes Plásticas, no feminino, em Portugal, contava na Pintura com nomes como as irmãs Sousa, Aurélia e Sofia, Sara Vasconcelos Gonçalves, Alda Machado Santos, Raquel Roque Gameiro ou Milly Possoz, só para referir algumas. Porém, na Escultura, unicamente se destacou, embora boa parte dos nossos historiadores de Arte dela se esqueçam frequentemente: Maria Luísa de Sousa Holstein, terceira duquesa de Palmela.
O conde de Sabugosa, seu amigo, deixou-nos páginas cheias de pitoresco sobre a personalidade fascinante desta aristocrata, para lá do apreço indisfarçável que tinha pelo talento da sua amiga. Nascida em berço de ouro, neta do primeiro duque de Palmela, uma das mais polémicas e sedutores figuras da nossa História, que foi o braço direito de D. Pedro IV na consolidação do regime liberal no nosso país, e neta da não menos famosa Eugénia Teles da Gama, a quem Garrett se referiu nos mais elogiosos termos, foi, acima de tudo, uma esclarecida senhora do seu tempo, generosa e talentosa, o que aliado, a uma grande fortuna, fez dela uma personalidade notável.
A educação daquela que foi uma menina exemplar, na verdadeira acepção da palavra, foi até aos nove anos orientada pelo avô, que encontrava nela a sua dilecta herdeira. Frequentou em Paris o Colégio do Sacré Coeur (que em 1904 passou a Lycée Sacré Coeur), onde as filhas da aristocracia europeia recebiam uma educação religiosa ministrada por freiras, mas que contava ainda com aulas de Artes Plásticas, visitas a museus e monumentos, concertos e toda uma convivência social que fazia parte dessa mesma educação.
Maria Luísa conviveu com grandes nomes da Pintura e Escultura. Curiosamente, nasceu no mesmo ano que Renoir, conheceu Guillaume, ficou amiga de Rodin, com quem manteve correspondência depois do seu regresso a Portugal. Os seus pais foram Domingos de Sousa Holstein também diplomata como o avô e Maria Luísa de Noronha e Sampaio.
Desce cedo, Maria Luísa demonstrou um talento especial para o desenho. Teve aulas de escultura com Anatole Calmels esse mestre francês que viera para Portugal como escultor da Corte e que deixou mais rico o património nacional com o seu grupo escultórico “A Glória Coroando o Génio e o Valor” no Arco da Rua Augusta, não esquecendo o frontão da Câmara Municipal de Lisboa e a estátua de D. Pedro IV no Porto. Mais ligadas á duquesa ficaram as duas estátuas “O Trabalho” e “A Força Moral que, a partir de 1902, passaram a dar imponência à fachada do Palácio Palmela onde se encontra hoje a Procuradoria-Geral da República. Na sala daquele palácio onde hoje reposam os Códigos era onde “os meninos”, junto à lareira que ainda está lá, punham os sapatinhos de Natal e esperavam as prendas do Menino Jesus, como me disse o último jardineiro da Casa Palmela, antes de passar a ser a Procurador-Geral da República.
O casamento do ano
Se a “máquina do tempo” existisse gostaria de ter entrado nela, sorrateiramente e recuado perto de 150 anos, até ao dia l5 de Abril de 1863. Lisboa, nesse dia, tinha as suas atenções viradas para um acontecimento social "o casamento do ano” e eu poderia, quem sabe, entrar no Palácio Palmela e ajudar Maria Luísa de Sousa Holstein-Beck a envergar o seu lindíssimo vestido de noiva e a ajudá-la a percorrer os corredores de mármore do seu palácio até à capela (hoje, infelizmente desaparecida, devido ao grande incêndio de 1981) que fora concebida tendo por modelo as riquíssimas capelas de S. João Baptista e de S. Roque, da igreja do mesmo nome, em Lisboa. O tecto era um arco de cesto com pinturas em perspectiva com motivos religiosos. De janelas superiores entrava a luz levemente coada, no altar-mor uma pintura com a passagem da vida da Virgem - a Assunção - nas paredes quadros da escola italiana com motivos sacros, onde predominava o verde combinado com talha dourada.
Discretamente misturada entre os amigos e convidados e prestando especial atenção à entrada do casal real, D. Luís e D. Maria Pia, que foram os padrinhos de casamento, os meus olhos perscrutariam o semblante do noivo, tentando adivinhar os mais íntimos sentimentos naquele rapaz de vinte sete anos, já com uma história militar de que se podia orgulhar. Aos vinte e anos, alistara-se como voluntário na armada inglesa, tendo participado na Guerra da Crimeia (1853-1856). Mas, naquele dia, o seu mar azul seriam os olhos da sua jovem noiva Maria Luísa.
O noivo António de Sampaio e Pina Brederode visconde de Lançada, capitão da Guarda Real dos Archeiros, par do reino, oficial-mor da Casa Real e, entre outros títulos, cavaleiro da Torre e Espada. Era um casamento normal entre famílias com ascendência comum, se bem que algumas vozes dissessem baixinho que a neta do primeiro duque de Palmela escolhera marido num grau social mais baixo.
A festa de casamento foi de tal modo faustosa que, conta a escritora Berta Leite, as salas do Palácio estiveram abertas três dias para que os de fora pudessem apreciar não só o palácio como as deslumbrantes prendas de casamento.
Os noivos e convidados dançaram no salão de baile onde o mobiliário era estilo Luís XVI. As crónicas mundanas da época relataram em pormenor esta boda, os caprichosos vestidos das senhoras, alguns mandados fazer no estrangeiro outros nas óptimas costureiras francesas que havia em Lisboa e todos os convidados teriam certamente sido motivo de conversas durante longos serões.
Entre flores e obras de arte
A terceira duquesa de Palmela, de seu nome completo Maria Luísa Domingues Eugénia Ana Filomena Josefa Antónia Francisca Xavier Sales de Borja de Assis Paula de Sousa Holstein Beck, era também terceira marquesa do Faial e terceira condessa do Calhariz e de Sanfrè.
Foi a rainha D. Maria Pia quem introduzira na corte o hábito de nomear as mulheres dos altos dignitários para suas camareiras. Dado o grande número de senhoras da aristocracia, nessas condições, só de tempos a tempos é que era reclamada a presença junto da rainha da terceira duquesa de Palmela, que tinha também essa honrosa incumbência, e que pouco tempo tirava à sua vida privada, à família e aos seus momentos de criatividade, quando desenhava, pintava ou esculpia.
A duquesa acompanhou as obras de restauro que promoveu no palácio, construído nos finais do século XVIII, em várias ocasiões, a primeira das quais pouco depois de casar e já depois de ter sido mãe, pela primeira vez, da sua filha Helena Maria, nascida em Fevereiro de 1864. A mãe de Maria Luísa morreu-lhe em 1861 e o pai três anos depois. Com apenas 24 anos, a duquesa ficou senhora absoluta de um valioso património.
O seu palácio foi também redecorado com novas e valiosas peças que o casal Palmela adquiria em Portugal e no estrangeiro, onde muitas vezes passavam férias. O próprio avô Pedro tinha feito restauros e ampliações no palácio, para onde foi viver, depois de se reformar da política que tantas glórias e amarguras lhe causou. Restara-lhe a alegria de coleccionar obras de arte e transmitir à neta esse amor pelo Belo.
Sabe-se que a duquesa tinha um especial carinho pelas árvores e flores e que aprendeu mesmo horticultura para poder explicar aos jardineiros como tratar e cuidar das flores conforme as estações do ano. O palácio tinha sempre nas jarras flores frescas do seu jardim.
No lindíssimo estúdio que a duquesa mandou construir nas traseiras do palácio, entre flores e árvores, passava longas horas dedicada à escultura. Se bem que os motivos religiosos fossem uma das suas fontes de inspiração, muitos outros temas a encantaram, e também se dedicou a moldar e esculpir bustos de figuras conhecidas ou notáveis da sociedade do seu tempo.
O casal Palmela, bem ao estilo da sociedade do seu tempo, num período em que se vivia alguma acalmia europeia e, em Portugal, se gozavam os anos de progresso do “fontismo” (de Fontes Pereira de Melo), fazia uma intensa vida social, sendo o Palácio do Rato local de encontros culturais, bailes e jantares de convívio com grandes nomes da cena internacional: de realçar as faustosas festas de Carnaval, que já vinham do tempo do avô Pedro, especialmente naquele ano de 1885,que contou com uma orquestra de ciganos do príncipe Esterhazy e também aquele memorável jantar onde se homenageou a actriz famosa Sarah Bernhardt, corria o mês de Novembro de 1895. O teatro tinha um lugar importante na vida lisboeta. A rainha D. Maria Pia tinha fama de chegar quase sempre atrasada, ao ponto de ser vulgar o rei D. Luís telefonar para o Teatro S. Carlos a dizer para começarem o espectáculo sem a presença dela, o que nunca aconteceu
O apelido Holstein entrara na família Palmela pelo casamento da princesa Mariana Leopoldina de Holstein, filha de Frederico Guilherme, duque de Holstein, herdeiro da Noruega, e da duquesa Maria Antónia Josefina de Sanfrè com Manuel de Sousa, avô de D. Pedro de Sousa Holstein, primeiro duque de Palmela.
Os loiros cabelos da Escandinávia
Maria Amália Vaz de Carvalho fala dos cabelos loiros da sua amiga Maria Luísa que tinham sido de um "loiro da Escandinávia", pátria dos remotos avós”. É a referência ao sangue no norueguês que lhe corria nas veias. Tinha a duquesa olhos azuis e um rosto de uma serenidade patente nos quadros e fotografias que dela conhecemos, tanto nos seus anos de juventude, como nos últimos anos da sua vida.
Olga de Morais Sarmento, em “As Minhas Memórias”, recorda a duquesa já nos últimos anos da sua vida. “Impossível seria falar da sociedade de então sem anotar o nome da Duquesa de Palmela. «Vi-a ainda algumas vezes, já envelhecida, com a cabeça sempre linda. Depois do regicídio, que, aliás, precedeu de pouco a sua morte, conservava-se numa distante reclusão. Ela soubera ser, no final do século passado e princípio deste, quase uma rainha. Com o seu cabelo grisalho penteado desprendidamente para cima, aliava a uma distinção incomparável uma bondade profunda e uma inteligência excepcional.»
Artista, era amiga dos artistas, auxiliando-os não apenas com o seu dinheiro mas também com o seu afecto, a sua solidariedade amiga, a aura que lhes criava. A ela se deve que Maria Amália tenha escrito uma das suas obras mais notáveis "A Vida do Duque de Palmela”. A duquesa mais tarde, legaria a Maria Amália Vaz de Carvalho uma casa em Cascais e uma quantia em forma de pensão.
Se Maria Luísa de Sousa Holstein Beck foi no seu tempo a mais famosa duquesa, isso deveu-se à sua personalidade invulgar, ao seu talento como escultura e à sua sincera e constante devoção aos pobres e desprotegidos.
O progresso chegava devagarinho a Portugal. Em 1856, é inaugurado o primeiro troço de caminho-de-ferro de Lisboa ao Carregado, mas pobreza sempre Portugal teve e, em finais do século XIX, Lisboa tinha uma população de fracos recursos que necessitava de apoio, em especial o operariado que, desenraizado do seu ambiente rural, lutava, nas grandes cidades, com muitas dificuldades, já para não referir as pobres crianças que então enxameavam as nossa ruas. Foi a pensar especialmente neles que a duquesa de Palmela e Maria Isabel de Lemos Saint-Léger, marquesa de Rio Maior, pensaram promover uma instituição de assistência que servisse refeições, a preços módicos, às camadas da população mais carenciadas.
Para a 3ª duquesa de Palmela, «cada pobre tem sobeja razão de reclamar contra as iniquidades com que o mundo o oprime e de reivindicar um estado de ordem mais perfeito». Partindo desta ideia, Maria Luísa decidiu criar em Lisboa a instituição que foi a «Sociedade Promotora das Cozinhas Económicas». Com o apoio de várias famílias aristocratas, da alta finança e outras pessoas generosas anónimas, a duquesa de Palmela vai viajar pela Europa, em viagem de estudo. Visitou nomeadamente a Suíça e a Inglaterra para ver como se estrutura uma instituição de assistência de modo a que o seu projecto tivesse bases e pudesse permanecer no tempo.
De regresso a Portugal, passa a contar com o apoio de grande número do pessoas com espírito de caridade, em especial, da marquesa de Rio Maior, também ela uma das senhoras mais famosas e preocupadas com os outros no seu tempo. Tinha grande jovialidade e uma memória assinalável, que nunca perdeu, mesmo já com idade avançada. Ditou as suas memórias à escritora Branca de Conta Colaço.
O conde de Sabugosa, seu amigo, deixou-nos páginas cheias de pitoresco sobre a personalidade fascinante desta aristocrata, para lá do apreço indisfarçável que tinha pelo talento da sua amiga. Nascida em berço de ouro, neta do primeiro duque de Palmela, uma das mais polémicas e sedutores figuras da nossa História, que foi o braço direito de D. Pedro IV na consolidação do regime liberal no nosso país, e neta da não menos famosa Eugénia Teles da Gama, a quem Garrett se referiu nos mais elogiosos termos, foi, acima de tudo, uma esclarecida senhora do seu tempo, generosa e talentosa, o que aliado, a uma grande fortuna, fez dela uma personalidade notável.
A educação daquela que foi uma menina exemplar, na verdadeira acepção da palavra, foi até aos nove anos orientada pelo avô, que encontrava nela a sua dilecta herdeira. Frequentou em Paris o Colégio do Sacré Coeur (que em 1904 passou a Lycée Sacré Coeur), onde as filhas da aristocracia europeia recebiam uma educação religiosa ministrada por freiras, mas que contava ainda com aulas de Artes Plásticas, visitas a museus e monumentos, concertos e toda uma convivência social que fazia parte dessa mesma educação.
Maria Luísa conviveu com grandes nomes da Pintura e Escultura. Curiosamente, nasceu no mesmo ano que Renoir, conheceu Guillaume, ficou amiga de Rodin, com quem manteve correspondência depois do seu regresso a Portugal. Os seus pais foram Domingos de Sousa Holstein também diplomata como o avô e Maria Luísa de Noronha e Sampaio.
Desce cedo, Maria Luísa demonstrou um talento especial para o desenho. Teve aulas de escultura com Anatole Calmels esse mestre francês que viera para Portugal como escultor da Corte e que deixou mais rico o património nacional com o seu grupo escultórico “A Glória Coroando o Génio e o Valor” no Arco da Rua Augusta, não esquecendo o frontão da Câmara Municipal de Lisboa e a estátua de D. Pedro IV no Porto. Mais ligadas á duquesa ficaram as duas estátuas “O Trabalho” e “A Força Moral que, a partir de 1902, passaram a dar imponência à fachada do Palácio Palmela onde se encontra hoje a Procuradoria-Geral da República. Na sala daquele palácio onde hoje reposam os Códigos era onde “os meninos”, junto à lareira que ainda está lá, punham os sapatinhos de Natal e esperavam as prendas do Menino Jesus, como me disse o último jardineiro da Casa Palmela, antes de passar a ser a Procurador-Geral da República.
O casamento do ano
Se a “máquina do tempo” existisse gostaria de ter entrado nela, sorrateiramente e recuado perto de 150 anos, até ao dia l5 de Abril de 1863. Lisboa, nesse dia, tinha as suas atenções viradas para um acontecimento social "o casamento do ano” e eu poderia, quem sabe, entrar no Palácio Palmela e ajudar Maria Luísa de Sousa Holstein-Beck a envergar o seu lindíssimo vestido de noiva e a ajudá-la a percorrer os corredores de mármore do seu palácio até à capela (hoje, infelizmente desaparecida, devido ao grande incêndio de 1981) que fora concebida tendo por modelo as riquíssimas capelas de S. João Baptista e de S. Roque, da igreja do mesmo nome, em Lisboa. O tecto era um arco de cesto com pinturas em perspectiva com motivos religiosos. De janelas superiores entrava a luz levemente coada, no altar-mor uma pintura com a passagem da vida da Virgem - a Assunção - nas paredes quadros da escola italiana com motivos sacros, onde predominava o verde combinado com talha dourada.
Discretamente misturada entre os amigos e convidados e prestando especial atenção à entrada do casal real, D. Luís e D. Maria Pia, que foram os padrinhos de casamento, os meus olhos perscrutariam o semblante do noivo, tentando adivinhar os mais íntimos sentimentos naquele rapaz de vinte sete anos, já com uma história militar de que se podia orgulhar. Aos vinte e anos, alistara-se como voluntário na armada inglesa, tendo participado na Guerra da Crimeia (1853-1856). Mas, naquele dia, o seu mar azul seriam os olhos da sua jovem noiva Maria Luísa.
O noivo António de Sampaio e Pina Brederode visconde de Lançada, capitão da Guarda Real dos Archeiros, par do reino, oficial-mor da Casa Real e, entre outros títulos, cavaleiro da Torre e Espada. Era um casamento normal entre famílias com ascendência comum, se bem que algumas vozes dissessem baixinho que a neta do primeiro duque de Palmela escolhera marido num grau social mais baixo.
A festa de casamento foi de tal modo faustosa que, conta a escritora Berta Leite, as salas do Palácio estiveram abertas três dias para que os de fora pudessem apreciar não só o palácio como as deslumbrantes prendas de casamento.
Os noivos e convidados dançaram no salão de baile onde o mobiliário era estilo Luís XVI. As crónicas mundanas da época relataram em pormenor esta boda, os caprichosos vestidos das senhoras, alguns mandados fazer no estrangeiro outros nas óptimas costureiras francesas que havia em Lisboa e todos os convidados teriam certamente sido motivo de conversas durante longos serões.
Entre flores e obras de arte
A terceira duquesa de Palmela, de seu nome completo Maria Luísa Domingues Eugénia Ana Filomena Josefa Antónia Francisca Xavier Sales de Borja de Assis Paula de Sousa Holstein Beck, era também terceira marquesa do Faial e terceira condessa do Calhariz e de Sanfrè.
Foi a rainha D. Maria Pia quem introduzira na corte o hábito de nomear as mulheres dos altos dignitários para suas camareiras. Dado o grande número de senhoras da aristocracia, nessas condições, só de tempos a tempos é que era reclamada a presença junto da rainha da terceira duquesa de Palmela, que tinha também essa honrosa incumbência, e que pouco tempo tirava à sua vida privada, à família e aos seus momentos de criatividade, quando desenhava, pintava ou esculpia.
A duquesa acompanhou as obras de restauro que promoveu no palácio, construído nos finais do século XVIII, em várias ocasiões, a primeira das quais pouco depois de casar e já depois de ter sido mãe, pela primeira vez, da sua filha Helena Maria, nascida em Fevereiro de 1864. A mãe de Maria Luísa morreu-lhe em 1861 e o pai três anos depois. Com apenas 24 anos, a duquesa ficou senhora absoluta de um valioso património.
O seu palácio foi também redecorado com novas e valiosas peças que o casal Palmela adquiria em Portugal e no estrangeiro, onde muitas vezes passavam férias. O próprio avô Pedro tinha feito restauros e ampliações no palácio, para onde foi viver, depois de se reformar da política que tantas glórias e amarguras lhe causou. Restara-lhe a alegria de coleccionar obras de arte e transmitir à neta esse amor pelo Belo.
Sabe-se que a duquesa tinha um especial carinho pelas árvores e flores e que aprendeu mesmo horticultura para poder explicar aos jardineiros como tratar e cuidar das flores conforme as estações do ano. O palácio tinha sempre nas jarras flores frescas do seu jardim.
No lindíssimo estúdio que a duquesa mandou construir nas traseiras do palácio, entre flores e árvores, passava longas horas dedicada à escultura. Se bem que os motivos religiosos fossem uma das suas fontes de inspiração, muitos outros temas a encantaram, e também se dedicou a moldar e esculpir bustos de figuras conhecidas ou notáveis da sociedade do seu tempo.
O casal Palmela, bem ao estilo da sociedade do seu tempo, num período em que se vivia alguma acalmia europeia e, em Portugal, se gozavam os anos de progresso do “fontismo” (de Fontes Pereira de Melo), fazia uma intensa vida social, sendo o Palácio do Rato local de encontros culturais, bailes e jantares de convívio com grandes nomes da cena internacional: de realçar as faustosas festas de Carnaval, que já vinham do tempo do avô Pedro, especialmente naquele ano de 1885,que contou com uma orquestra de ciganos do príncipe Esterhazy e também aquele memorável jantar onde se homenageou a actriz famosa Sarah Bernhardt, corria o mês de Novembro de 1895. O teatro tinha um lugar importante na vida lisboeta. A rainha D. Maria Pia tinha fama de chegar quase sempre atrasada, ao ponto de ser vulgar o rei D. Luís telefonar para o Teatro S. Carlos a dizer para começarem o espectáculo sem a presença dela, o que nunca aconteceu
O apelido Holstein entrara na família Palmela pelo casamento da princesa Mariana Leopoldina de Holstein, filha de Frederico Guilherme, duque de Holstein, herdeiro da Noruega, e da duquesa Maria Antónia Josefina de Sanfrè com Manuel de Sousa, avô de D. Pedro de Sousa Holstein, primeiro duque de Palmela.
Os loiros cabelos da Escandinávia
Maria Amália Vaz de Carvalho fala dos cabelos loiros da sua amiga Maria Luísa que tinham sido de um "loiro da Escandinávia", pátria dos remotos avós”. É a referência ao sangue no norueguês que lhe corria nas veias. Tinha a duquesa olhos azuis e um rosto de uma serenidade patente nos quadros e fotografias que dela conhecemos, tanto nos seus anos de juventude, como nos últimos anos da sua vida.
Olga de Morais Sarmento, em “As Minhas Memórias”, recorda a duquesa já nos últimos anos da sua vida. “Impossível seria falar da sociedade de então sem anotar o nome da Duquesa de Palmela. «Vi-a ainda algumas vezes, já envelhecida, com a cabeça sempre linda. Depois do regicídio, que, aliás, precedeu de pouco a sua morte, conservava-se numa distante reclusão. Ela soubera ser, no final do século passado e princípio deste, quase uma rainha. Com o seu cabelo grisalho penteado desprendidamente para cima, aliava a uma distinção incomparável uma bondade profunda e uma inteligência excepcional.»
Artista, era amiga dos artistas, auxiliando-os não apenas com o seu dinheiro mas também com o seu afecto, a sua solidariedade amiga, a aura que lhes criava. A ela se deve que Maria Amália tenha escrito uma das suas obras mais notáveis "A Vida do Duque de Palmela”. A duquesa mais tarde, legaria a Maria Amália Vaz de Carvalho uma casa em Cascais e uma quantia em forma de pensão.
Se Maria Luísa de Sousa Holstein Beck foi no seu tempo a mais famosa duquesa, isso deveu-se à sua personalidade invulgar, ao seu talento como escultura e à sua sincera e constante devoção aos pobres e desprotegidos.
O progresso chegava devagarinho a Portugal. Em 1856, é inaugurado o primeiro troço de caminho-de-ferro de Lisboa ao Carregado, mas pobreza sempre Portugal teve e, em finais do século XIX, Lisboa tinha uma população de fracos recursos que necessitava de apoio, em especial o operariado que, desenraizado do seu ambiente rural, lutava, nas grandes cidades, com muitas dificuldades, já para não referir as pobres crianças que então enxameavam as nossa ruas. Foi a pensar especialmente neles que a duquesa de Palmela e Maria Isabel de Lemos Saint-Léger, marquesa de Rio Maior, pensaram promover uma instituição de assistência que servisse refeições, a preços módicos, às camadas da população mais carenciadas.
Para a 3ª duquesa de Palmela, «cada pobre tem sobeja razão de reclamar contra as iniquidades com que o mundo o oprime e de reivindicar um estado de ordem mais perfeito». Partindo desta ideia, Maria Luísa decidiu criar em Lisboa a instituição que foi a «Sociedade Promotora das Cozinhas Económicas». Com o apoio de várias famílias aristocratas, da alta finança e outras pessoas generosas anónimas, a duquesa de Palmela vai viajar pela Europa, em viagem de estudo. Visitou nomeadamente a Suíça e a Inglaterra para ver como se estrutura uma instituição de assistência de modo a que o seu projecto tivesse bases e pudesse permanecer no tempo.
De regresso a Portugal, passa a contar com o apoio de grande número do pessoas com espírito de caridade, em especial, da marquesa de Rio Maior, também ela uma das senhoras mais famosas e preocupadas com os outros no seu tempo. Tinha grande jovialidade e uma memória assinalável, que nunca perdeu, mesmo já com idade avançada. Ditou as suas memórias à escritora Branca de Conta Colaço.
Cozinhas Económicas e distribuição de refeições
Foi a própria duquesa do Palmela quem do seu bolso mandou comprar todo o equipamento, desde as mesas aos talheres, passando pelas cadeiras, fogões, etc. De França vieram algumas Irmãs da Caridade de São Vicente de Paula e, quando tudo estava organizado, inaugurou-se a primeira Cozinha Económica, na Travessa do Forno aos Prazeres, escolha criteriosa, dado ser das zonas com maior população de operários.
A 8 de Dezembro de 1893, dia santo para a Igreja Católica as portas abriram-se na que seria uma das mais importantes instituições de beneficência que Portugal possuiu. Depois desta Cozinha, outras se lhe seguiram, nos Anjos, em Alcântara, Xabregas, S. Mamede, onde se davam refeições a 500 crianças, S. Bento, outra ainda nos próprios jardins do Palácio de Palmela e a última seria, anos mais tarde, no cais de Santarém à Sé.
REFEIÇÃO POR 90 RÉIS
Foi a própria duquesa do Palmela quem do seu bolso mandou comprar todo o equipamento, desde as mesas aos talheres, passando pelas cadeiras, fogões, etc. De França vieram algumas Irmãs da Caridade de São Vicente de Paula e, quando tudo estava organizado, inaugurou-se a primeira Cozinha Económica, na Travessa do Forno aos Prazeres, escolha criteriosa, dado ser das zonas com maior população de operários.
A 8 de Dezembro de 1893, dia santo para a Igreja Católica as portas abriram-se na que seria uma das mais importantes instituições de beneficência que Portugal possuiu. Depois desta Cozinha, outras se lhe seguiram, nos Anjos, em Alcântara, Xabregas, S. Mamede, onde se davam refeições a 500 crianças, S. Bento, outra ainda nos próprios jardins do Palácio de Palmela e a última seria, anos mais tarde, no cais de Santarém à Sé.
REFEIÇÃO POR 90 RÉIS
A primeira refeição constou de uma tigela de sopa de grão com arroz, bacalhau guisado, 200 gramas de pão e 2 decilitros de vinho - todo por 90 reis. Nos outros dias, o vinho não estava incluído.
O próprio rei D. Carlos mandava grande parte do produto das suas caçadas em Mafra e Vila Viçosa para se confeccionarem as refeições nas «Cozinhas Económicas» e os excedentes das pescarias levadas a efeito no iate real “Amélia” tinham o mesmo destino, diz-nos Rocha Martins.
Na Cozinha Económica, instalada junto ao seu palácio, servia a duquesa refeições a duzentos crianças, todos os dias.
Um dia o conde de Sabugosa com curiosidade de ver a última escultura da duquesa, esperou-a, no seu atelier, junto ao jardim de sua casa. Conversaram e o conde, comentando a sua generosidade chamou-lhe «socialista», termo que na época tinha uma conotação um pouco diferente da de hoje. A conversa prosseguiu e Maria Luísa acrescentou: «Também eu sou socialista, mas o socialismo que me encanta e atrai é o do conde Tolstoi, que percorria as estepes da Rússia atirando com mãos generosas a sua fortuna aos que morriam de fome e de frio nas cabanas afogadas de neve”. É assim que eu compreendo a missão dos ricos, eles são no mundo os depositários dos bens que pertencem aos deserdados. Só a justa distribuição pode trazer a igualdade pregada por S. Paulo.»
«O supérfluo dos ricos é o património dos pobres». Frase que a 3ª duquesa dizia e cumpriu na sua vida.
É sabido que a escritora Maria Amália Voz de Carvalho e a duquesa de Palmela eram grandes amigas. A duquesa ia a casa da escritora no seu «coupé» forrado de cetim, parava naquele número 1 da travessa de Santa Catarina, (na época quase tão célebre em Lisboa como o nº 10 de Downing Street em Londres), às 4 da tarde. Passava horas conversando com a escritora, à saída, prolongava ainda a retirada, numa indolência propositada, para ficar mais tempo. Por isso, dela disse com graça Maria Amália, sua grande amiga: «À duquesa de Palmela nem sequer falta, como aos grandes generais, a arte infinitamente subtil da retirada» (como escreveu Luís de Oliveira Guimarães em Senhoras Conhecidas, Lisboa, 1945).
Gervásio Lobato disse daquela que foi conhecida em Lisboa apenas por «a Duquesa» como se fosse a única. “Não se limita a ser caritativa é benemérita:«Da mesma maneira que como uma artista a duquesa faz simplesmente arte pela arte, como benemérita faz simplesmente o bem pelo bem»
A Sociedade Promotora das Cozinhas Económicas” iria continuar depois da morte da duquesa, em 1909. Contava 68 anos. Esta instituição viria a ser conhecida pela «sopa do Sidónio», a partir do ano de 1918. Os tempos da guerra (1914-1918) trouxeram a miséria a muitas famílias portuguesas e conta-se que era o próprio Sidónio Pais (que foi Presidente da República entre 1917 e 1918 e morreu assassinado) e um filho que, de noite, iam fornecer as Cozinhas Económicas para que, ao menos, a sopa não faltasse aos mais pobres.
Estas Cozinhas passam, anos mais tarde, para as Misericórdias de Lisboa.
Para lá desta obra de assistência, Maria Luísa de Sousa Holstein ficou ligada a grande número de outras iniciativas como o Instituto de Socorros a Náufragos, o Hospital do Rego, a Assistência Nacional aos Tuberculosos, criado pela rainha D. Amélia, entre outras.
Esculpir o barro e o mármore
As suas mãos de artista moldaram o barro e esculpiram o mármore com uma delicadeza e frescura únicas e que ficaram patentes em significativo número de obras, desde “Diógenes”, fundido em bronze, que foi exposto no Salon de Paris em 1884, passando por “Santa Teresa”, premiada no Salon de 1886, “Pretinha”, “Sulamite”, “Alegria” ou o “Fiat Lux”, oferecido a D. António de Lencastre, médico do Paço, e outras esculturas, expostas em museus, embora grande parte pertença a colecções particulares ou a amigos e familiares da duquesa. Ao Museu Nacional de Belas Artes foi oferecido o “Génio do Progresso da Medicina” em bronze.
Em 1901, e em anos seguintes a duquesa de Palmela, vai expor na Sociedade Nacional de Belas Artes e em Paris e terá participado pela última vez no Rio de Janeiro em 1908.
Em 1903 a duquesa de Palmela fora recebida como a Primeira Mulher Académica de Mérito da Academia Real de Belas Artes de Lisboa. Com Josefa Brito do Rio, condessa de Ficalho, vai criar aquela que foi a célebre “Fábrica do Ratinho’. Quem hoje possui peças de cerâmica dessa oficina pode ver o símbolo do “ratinho” e sentir-se feliz por possuir uma peça muito rara e muito valiosa, pois a produção não foi grande.
Camareira da rainha D. Amélia de Bragança, a duquesa de Palmela encontrava-se no Palácio das Necessidades no dia seguinte ao do regicídio (assassinato do rei D. Carlos e do filho Luís Filipe). Após a reunião do Conselho de Estado, aproximou-se do ministro João Franco e discretamente perguntou-lhe: «Isto é o fim da Monarquia, não é, conselheiro?» como a adivinhar a resposta.
Maria Luísa de Sousa Holstein era uma senhora de grande cultura. Estudara em França, como se disse e conhecia vários países, privava com embaixadores, falando-lhes normalmente na língua deles. Interessada por tudo o que a rodeava, estava sempre bem informada, parece até que o seu telefone foi, logo a seguir ao do Palácio da Ajuda, um dos primeiros a ser instalado em Lisboa. Daí, podermos afirmar que conhecia bem o que se passava no resto do mundo e a evolução que a sociedade portuguesa iria sofrer. Só que ninguém podia adivinhar que a República começaria em Portugal com um banho de sangue, talvez evitável. Nas suas casas de Sesimbra e Calhariz possuía a duquesa das mais completas pinacotecas do país.
À Sociedade de Geografia de Lisboa foi oferecido, em 21 de Junho de 1909, o busto de Sá da Bandeira, por quem a duquesa nutria grande admiração, pois foi companheiro de lutas de seu avô Pedro, primeiro duque de Palmela. Nesse dia presidiu à sessão solene na Sociedade de Geografia o rei D. Manuel II, acompanhado pelo infante D. Afonso. Entre os convidados encontravam-se dois sobrinhos-netos do marquês de Sá da Bandeira. Caetano Alberto da Silva, director da revista «O Ocidente» disse a propósito: «Sá da Bandeira teve agora urna consagração suprema. A duquesa de Palmela modelou em mármore o busto do intrépido general.»
Algumas vozes invejosas (como sempre houve e haverá) diziam que as esculturas da duquesa tinham intervenção do seu mestre Calmels. «Ora elas são por demais femininas para se poder arredar essa hipótese.» (Fernando Pamplona).
O casal Palmela mereceu sempre a atenção dos jornalistas, talvez pela aura de simpatia e elegância que Maria Luísa de Sousa Holstein e o marido transmitiam e que fazia deles o alvo preferencial das crónicas mundanas. Eram notícia quando, com o seu vestido branco, foi servir discretamente as refeições numa das Cozinhas Económicas, era notícia quando o marido lhe ofereceu um iate a que foi posto o nome de “Surpresa”; eram notícia quando promovia uma “batalha de flores’ na Avenida da Liberdade, com o fim de angariar fundos para as despesas das Cozinhas Económicas; era notícia quando recebe menções honrosas, em Paris e no Rio de Janeiro, pelas suas esculturas, enfim eram sempre notícia, numa época em que só era famoso quem tinha verdadeiro merecimento para tal.
A 3ª duquesa de Palmela morreu na sua quinta de São Sebastião, em Sintra.«A nota culminante e comoventíssima do seu enterro foi dada pelo povo, pelos velhos que mal podiam andar, pelas pobres mulheres de xaile e lenço, com os filhos ao colo, por toda aquela multidão saída não se sabia de onde, e que a ia acompanhando, a pé, levando muitos os seus humildes ramos de flores - todos, as flores que mais eloquentes pareciam à alma gentilíssima da Duquesa de Palmela - lágrimas, muitas lágrimas nos olhos» (Olga de Morais Sarmento).
A 3ª duquesa de Palmela deixou um valioso património artístico cheio de “de graça nervosa e juvenil’ ela que assinava apenas M.ª Palmella sculp.(abreviatura de escultora em latim)
O BICHINHO DE CONTA
Se bem que a 3ª duquesa de Palmela tenha por si só uma personalidade fascinante e talento suficiente para ficar na memória de todos, é difícil não falarmos dos seus antepassados. É o caso da sua bisavó que ficou na História de Portugal conhecida pelo “O Bichinho de Conta”.
Isabel Juliana de Sousa Coutinho Monteiro Paim era amiga, desde pequena, de Alexandre de Sousa Holstein com quem sempre brincara na quinta do Calhariz. Com o passar dos tempos, eram mais do que amigos e nunca duvidaram, que seriam, um dia, marido e mulher. Isabel perdera a mãe ainda criança e o pai passava a vida em Paris, gozando a sua viuvez, dado aos prazeres da vida, que aproveitava, na sua condição de embaixador de Portugal em França.
Mas na corte do rei D. José I o, então conde de Oeiras, depois marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, sabendo que Isabel Paim era herdeira de uma grande fortuna e de um ainda mais honroso nome de família, que entroncava em Tomás Paim, fidalgo inglês que viera no séquito de D. Filipa de Lencastre, como secretário da futura rainha de Portugal, tratou de combinar o casamento daquela menina de quinze anos com o seu segundo filho, José Francisco, que contava catorze.
O pai da noiva, Vicente Paim não viu qualquer inconveniente no casamento e combina-se o enlace. Só que ninguém pensou que Isabel podia ter opinião contrária. Uma menina daquela idade “não tem querer” dizia-se. Obedecia ao pai e mais nada. Mas Isabel opôs-se obstinadamente: «Que nunca casaria com outro que não o seu amigo de infância Alexandre.»
Mas o pai e o marquês obrigaram-na a casar. E numa cerimónia que teve de ser íntima, e que foi presidida pelo próprio irmão do futuro marquês de Pombal, em 11 de Abril de 1768, Isabel Juliana vê-se “casada” com um rapaz que detestava, não só por ser filho de quem era, mas porque o seu marido só podia ser o seu Alexandre, que entretanto fora com a mãe viver para o Piemonte (Itália), não fosse Sebastião José de Carvalho e Melo tomar alguma das suas despóticas atitudes.
Realmente, o casamento realizou-se mas não se consumou, porque a noiva não permitiu que o noivo lhe tocasse. Aquela menina de cabelos negros aos canudos, de cara magra e nariz fino, tinha um queixo voluntarioso e iria fazer frente ao noivo, ao pai, às tias e ao aterrador conde de Oeiras, que, de início pensou tratar-se de um capricho de uma menina rica, mas que com o passar dos meses percebeu que o assunto era sério.
Quando a vontade derruba montanhas
Isabel Monteiro Paim mandou fazer um saco com dois lençóis, atados bem junto ao pescoço, onde dormia, para que o noivo nem tivesse a pretensão de tentar tocar-lhe. E por isso o marquês, era motivo de troça do Paço. Furioso, terá mesmo dito, referindo-se àquela que se recusava ser sua nora:«É um bichinho de conta que me quer deter os passos».
Passam-se três anos e, o noivo, José Francisco de Carvalho Daum queixa-se ao pai de que o casamento ainda se não consumara, isto é que os noivos ainda não tinham tido intimidades de casal. Era altura de o marquês de Pombal tomar uma atitude drástica. Pediu a anulação do casamento, não sem primeiro mandar a teimosa menina para o convento de Santa Joana, onde a abadessa era a irmã do futuro marquês de Pombal. Como era de esperar a jovem Isabel foi tratada quase como presidiária.
A família de Isabel Monteiro Paim não lhe deu qualquer apoio, talvez por que temesse as represálias do marquês de Pombal. Daí não se opôr a que a jovem fosse depois desterrada para o Convento do Calvário, em Évora, onde era absolutamente proibido contactar fosse com quem fosse. Só a grande esperança de que um dia os seus desejos se cumprissem, faziam ter vontade de viver à jovem Isabel Paim. E esse dia chegou.
O rei D. José I morreu em 1777 e a rainha D. Maria I demite o ministro de seu pai, o marquês de Pombal. Novos tempos para os que sofreram a oposição de Sebastião José de Carvalho e Melo
Como nos contos de fadas, Alexandre ainda solteiro, herdeiro de uma fortuna e de um título (marquês de Isnardi, conde de Sanfrè) corre para junto da sua amada, que ainda vai visitar atrás das grades do convento de Évora. Casam em Julho de 1779. Foi um verdadeiro casamento de amor. Isabel e Alexandre foram os pais de D. Pedro de Sousa Holstein, primeiro duque de Palmela, que nasceu em Turim a 8 de Maio de 1781.
Texto: Maria Luísa V. de Paiva Boléo / Ilustração Artur Henriques
Na Cozinha Económica, instalada junto ao seu palácio, servia a duquesa refeições a duzentos crianças, todos os dias.
Um dia o conde de Sabugosa com curiosidade de ver a última escultura da duquesa, esperou-a, no seu atelier, junto ao jardim de sua casa. Conversaram e o conde, comentando a sua generosidade chamou-lhe «socialista», termo que na época tinha uma conotação um pouco diferente da de hoje. A conversa prosseguiu e Maria Luísa acrescentou: «Também eu sou socialista, mas o socialismo que me encanta e atrai é o do conde Tolstoi, que percorria as estepes da Rússia atirando com mãos generosas a sua fortuna aos que morriam de fome e de frio nas cabanas afogadas de neve”. É assim que eu compreendo a missão dos ricos, eles são no mundo os depositários dos bens que pertencem aos deserdados. Só a justa distribuição pode trazer a igualdade pregada por S. Paulo.»
«O supérfluo dos ricos é o património dos pobres». Frase que a 3ª duquesa dizia e cumpriu na sua vida.
É sabido que a escritora Maria Amália Voz de Carvalho e a duquesa de Palmela eram grandes amigas. A duquesa ia a casa da escritora no seu «coupé» forrado de cetim, parava naquele número 1 da travessa de Santa Catarina, (na época quase tão célebre em Lisboa como o nº 10 de Downing Street em Londres), às 4 da tarde. Passava horas conversando com a escritora, à saída, prolongava ainda a retirada, numa indolência propositada, para ficar mais tempo. Por isso, dela disse com graça Maria Amália, sua grande amiga: «À duquesa de Palmela nem sequer falta, como aos grandes generais, a arte infinitamente subtil da retirada» (como escreveu Luís de Oliveira Guimarães em Senhoras Conhecidas, Lisboa, 1945).
Gervásio Lobato disse daquela que foi conhecida em Lisboa apenas por «a Duquesa» como se fosse a única. “Não se limita a ser caritativa é benemérita:«Da mesma maneira que como uma artista a duquesa faz simplesmente arte pela arte, como benemérita faz simplesmente o bem pelo bem»
A Sociedade Promotora das Cozinhas Económicas” iria continuar depois da morte da duquesa, em 1909. Contava 68 anos. Esta instituição viria a ser conhecida pela «sopa do Sidónio», a partir do ano de 1918. Os tempos da guerra (1914-1918) trouxeram a miséria a muitas famílias portuguesas e conta-se que era o próprio Sidónio Pais (que foi Presidente da República entre 1917 e 1918 e morreu assassinado) e um filho que, de noite, iam fornecer as Cozinhas Económicas para que, ao menos, a sopa não faltasse aos mais pobres.
Estas Cozinhas passam, anos mais tarde, para as Misericórdias de Lisboa.
Para lá desta obra de assistência, Maria Luísa de Sousa Holstein ficou ligada a grande número de outras iniciativas como o Instituto de Socorros a Náufragos, o Hospital do Rego, a Assistência Nacional aos Tuberculosos, criado pela rainha D. Amélia, entre outras.
Esculpir o barro e o mármore
As suas mãos de artista moldaram o barro e esculpiram o mármore com uma delicadeza e frescura únicas e que ficaram patentes em significativo número de obras, desde “Diógenes”, fundido em bronze, que foi exposto no Salon de Paris em 1884, passando por “Santa Teresa”, premiada no Salon de 1886, “Pretinha”, “Sulamite”, “Alegria” ou o “Fiat Lux”, oferecido a D. António de Lencastre, médico do Paço, e outras esculturas, expostas em museus, embora grande parte pertença a colecções particulares ou a amigos e familiares da duquesa. Ao Museu Nacional de Belas Artes foi oferecido o “Génio do Progresso da Medicina” em bronze.
Em 1901, e em anos seguintes a duquesa de Palmela, vai expor na Sociedade Nacional de Belas Artes e em Paris e terá participado pela última vez no Rio de Janeiro em 1908.
Em 1903 a duquesa de Palmela fora recebida como a Primeira Mulher Académica de Mérito da Academia Real de Belas Artes de Lisboa. Com Josefa Brito do Rio, condessa de Ficalho, vai criar aquela que foi a célebre “Fábrica do Ratinho’. Quem hoje possui peças de cerâmica dessa oficina pode ver o símbolo do “ratinho” e sentir-se feliz por possuir uma peça muito rara e muito valiosa, pois a produção não foi grande.
Camareira da rainha D. Amélia de Bragança, a duquesa de Palmela encontrava-se no Palácio das Necessidades no dia seguinte ao do regicídio (assassinato do rei D. Carlos e do filho Luís Filipe). Após a reunião do Conselho de Estado, aproximou-se do ministro João Franco e discretamente perguntou-lhe: «Isto é o fim da Monarquia, não é, conselheiro?» como a adivinhar a resposta.
Maria Luísa de Sousa Holstein era uma senhora de grande cultura. Estudara em França, como se disse e conhecia vários países, privava com embaixadores, falando-lhes normalmente na língua deles. Interessada por tudo o que a rodeava, estava sempre bem informada, parece até que o seu telefone foi, logo a seguir ao do Palácio da Ajuda, um dos primeiros a ser instalado em Lisboa. Daí, podermos afirmar que conhecia bem o que se passava no resto do mundo e a evolução que a sociedade portuguesa iria sofrer. Só que ninguém podia adivinhar que a República começaria em Portugal com um banho de sangue, talvez evitável. Nas suas casas de Sesimbra e Calhariz possuía a duquesa das mais completas pinacotecas do país.
À Sociedade de Geografia de Lisboa foi oferecido, em 21 de Junho de 1909, o busto de Sá da Bandeira, por quem a duquesa nutria grande admiração, pois foi companheiro de lutas de seu avô Pedro, primeiro duque de Palmela. Nesse dia presidiu à sessão solene na Sociedade de Geografia o rei D. Manuel II, acompanhado pelo infante D. Afonso. Entre os convidados encontravam-se dois sobrinhos-netos do marquês de Sá da Bandeira. Caetano Alberto da Silva, director da revista «O Ocidente» disse a propósito: «Sá da Bandeira teve agora urna consagração suprema. A duquesa de Palmela modelou em mármore o busto do intrépido general.»
Algumas vozes invejosas (como sempre houve e haverá) diziam que as esculturas da duquesa tinham intervenção do seu mestre Calmels. «Ora elas são por demais femininas para se poder arredar essa hipótese.» (Fernando Pamplona).
O casal Palmela mereceu sempre a atenção dos jornalistas, talvez pela aura de simpatia e elegância que Maria Luísa de Sousa Holstein e o marido transmitiam e que fazia deles o alvo preferencial das crónicas mundanas. Eram notícia quando, com o seu vestido branco, foi servir discretamente as refeições numa das Cozinhas Económicas, era notícia quando o marido lhe ofereceu um iate a que foi posto o nome de “Surpresa”; eram notícia quando promovia uma “batalha de flores’ na Avenida da Liberdade, com o fim de angariar fundos para as despesas das Cozinhas Económicas; era notícia quando recebe menções honrosas, em Paris e no Rio de Janeiro, pelas suas esculturas, enfim eram sempre notícia, numa época em que só era famoso quem tinha verdadeiro merecimento para tal.
A 3ª duquesa de Palmela morreu na sua quinta de São Sebastião, em Sintra.«A nota culminante e comoventíssima do seu enterro foi dada pelo povo, pelos velhos que mal podiam andar, pelas pobres mulheres de xaile e lenço, com os filhos ao colo, por toda aquela multidão saída não se sabia de onde, e que a ia acompanhando, a pé, levando muitos os seus humildes ramos de flores - todos, as flores que mais eloquentes pareciam à alma gentilíssima da Duquesa de Palmela - lágrimas, muitas lágrimas nos olhos» (Olga de Morais Sarmento).
A 3ª duquesa de Palmela deixou um valioso património artístico cheio de “de graça nervosa e juvenil’ ela que assinava apenas M.ª Palmella sculp.(abreviatura de escultora em latim)
O BICHINHO DE CONTA
Se bem que a 3ª duquesa de Palmela tenha por si só uma personalidade fascinante e talento suficiente para ficar na memória de todos, é difícil não falarmos dos seus antepassados. É o caso da sua bisavó que ficou na História de Portugal conhecida pelo “O Bichinho de Conta”.
Isabel Juliana de Sousa Coutinho Monteiro Paim era amiga, desde pequena, de Alexandre de Sousa Holstein com quem sempre brincara na quinta do Calhariz. Com o passar dos tempos, eram mais do que amigos e nunca duvidaram, que seriam, um dia, marido e mulher. Isabel perdera a mãe ainda criança e o pai passava a vida em Paris, gozando a sua viuvez, dado aos prazeres da vida, que aproveitava, na sua condição de embaixador de Portugal em França.
Mas na corte do rei D. José I o, então conde de Oeiras, depois marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, sabendo que Isabel Paim era herdeira de uma grande fortuna e de um ainda mais honroso nome de família, que entroncava em Tomás Paim, fidalgo inglês que viera no séquito de D. Filipa de Lencastre, como secretário da futura rainha de Portugal, tratou de combinar o casamento daquela menina de quinze anos com o seu segundo filho, José Francisco, que contava catorze.
O pai da noiva, Vicente Paim não viu qualquer inconveniente no casamento e combina-se o enlace. Só que ninguém pensou que Isabel podia ter opinião contrária. Uma menina daquela idade “não tem querer” dizia-se. Obedecia ao pai e mais nada. Mas Isabel opôs-se obstinadamente: «Que nunca casaria com outro que não o seu amigo de infância Alexandre.»
Mas o pai e o marquês obrigaram-na a casar. E numa cerimónia que teve de ser íntima, e que foi presidida pelo próprio irmão do futuro marquês de Pombal, em 11 de Abril de 1768, Isabel Juliana vê-se “casada” com um rapaz que detestava, não só por ser filho de quem era, mas porque o seu marido só podia ser o seu Alexandre, que entretanto fora com a mãe viver para o Piemonte (Itália), não fosse Sebastião José de Carvalho e Melo tomar alguma das suas despóticas atitudes.
Realmente, o casamento realizou-se mas não se consumou, porque a noiva não permitiu que o noivo lhe tocasse. Aquela menina de cabelos negros aos canudos, de cara magra e nariz fino, tinha um queixo voluntarioso e iria fazer frente ao noivo, ao pai, às tias e ao aterrador conde de Oeiras, que, de início pensou tratar-se de um capricho de uma menina rica, mas que com o passar dos meses percebeu que o assunto era sério.
Quando a vontade derruba montanhas
Isabel Monteiro Paim mandou fazer um saco com dois lençóis, atados bem junto ao pescoço, onde dormia, para que o noivo nem tivesse a pretensão de tentar tocar-lhe. E por isso o marquês, era motivo de troça do Paço. Furioso, terá mesmo dito, referindo-se àquela que se recusava ser sua nora:«É um bichinho de conta que me quer deter os passos».
Passam-se três anos e, o noivo, José Francisco de Carvalho Daum queixa-se ao pai de que o casamento ainda se não consumara, isto é que os noivos ainda não tinham tido intimidades de casal. Era altura de o marquês de Pombal tomar uma atitude drástica. Pediu a anulação do casamento, não sem primeiro mandar a teimosa menina para o convento de Santa Joana, onde a abadessa era a irmã do futuro marquês de Pombal. Como era de esperar a jovem Isabel foi tratada quase como presidiária.
A família de Isabel Monteiro Paim não lhe deu qualquer apoio, talvez por que temesse as represálias do marquês de Pombal. Daí não se opôr a que a jovem fosse depois desterrada para o Convento do Calvário, em Évora, onde era absolutamente proibido contactar fosse com quem fosse. Só a grande esperança de que um dia os seus desejos se cumprissem, faziam ter vontade de viver à jovem Isabel Paim. E esse dia chegou.
O rei D. José I morreu em 1777 e a rainha D. Maria I demite o ministro de seu pai, o marquês de Pombal. Novos tempos para os que sofreram a oposição de Sebastião José de Carvalho e Melo
Como nos contos de fadas, Alexandre ainda solteiro, herdeiro de uma fortuna e de um título (marquês de Isnardi, conde de Sanfrè) corre para junto da sua amada, que ainda vai visitar atrás das grades do convento de Évora. Casam em Julho de 1779. Foi um verdadeiro casamento de amor. Isabel e Alexandre foram os pais de D. Pedro de Sousa Holstein, primeiro duque de Palmela, que nasceu em Turim a 8 de Maio de 1781.
Texto: Maria Luísa V. de Paiva Boléo / Ilustração Artur Henriques
Este texto é dedicado ao P.U.
4 comentários:
Excelente: adoro o assunto, adoro as informações, adoro o estilo!!! Visitarei esta página mais vezes na expectativa de ter a sorte de ler algo tão bom como li hoje!...
Concordo. Texto muito informativo e vivo. Passamos na agora PGR e não sabemos quem ali viveu e esculpiu. Grande senhora. Belo texto
Passei por aqui em 2009 e acho que o autor tem muitas opiniões que perfilho. Gostei deste texto e de muitos outros, Onde está em 2009?
Adorei o texto....mas gostaria de saber mais sobre D. Isabel juliana de Souza Coutinho Monteiro Paim...onde ela viveu com Alexandre...em que casarão...etc...obrigado..
qualquer informação envie para rafaelzonin@hotmail.com.
Obrigado.
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