terça-feira, janeiro 17, 2006

A"coisa cultural" tem estado na berlinda, nos últimos tempos. Foi o Centro Cultural de Belém, foi o Teatro Nacional de D. Maria II. A "coisa cultural" é sempre polémica, uma espécie de futebolês. Há os de um clube e os de outro, os dos subsídios e os que ficam de fora - não sei bem se há os de uma política cultural e os de outra ou, apenas, os que raparam do tacho e os que não raparam. O que noto, ao longo dos anos e seja qual for o responsável governamental pela tutela do sector, é haver sempre um monte de contentes e outro de descontentes (uma espécie de reedição do "Senhor Contente e Senhor Feliz"). E, nos media, os que protegem os rapadores de um lado e os que protegem os que não raparam nada. A este debate de bolsos se tem chamado "debate cultural".

Eu que, nestas coisas e noutras, funciono com a cabeça do eleitor útil, iniciei a semana que findou como "eleitor contente". Porquê? Porque a nomeação do António Mega Ferreira para a direcção do CCB me pareceu uma excelente escolha. A seu favor, o António Mega tem a inteligência, a imaginação, a criatividade, um currículo inexpugnável. É um homem de modernidade e de paixão. Tudo o que o CCB precisa, sobretudo em tempo de vacas magras. Tenho a certeza de que o novo director vai fazer, por lá, de Luís de Matos. Vai conseguir tirar coelhos de qualidade da estreita cartola do CCB.

Não pretendo, com isto, menorizar o trabalho e a seriedade de quem lá esteve antes - e, muito menos, a figura do prof. Fraústo da Silva. Mas o CCB precisa de um vendaval de criatividade, de aliar elitismo (no bom e profundo sentido) com popular. De utilizar com inteligência, por exemplo, a colecção Berardo. Precisa de agitação. De inquietação. De sentido de marketing. De boa gestão dos meios de que dispõe. E são muitos. Excelentes instalações para espectáculos, exposições, happenings culturais - pode dar passagem à festa da cultura. O trabalho que o António Mega fez na Expo e noutros locais, o seu jeito de ser, o entendimento que tem da "coisa cultural" é um sinal de esperança. O seu discurso será isso mesmo uma boa agitação contraposta (que me desculpe o prof. Fraústo) à resignação académica do anterior titular. O País não vai para a frente só com dinheiro, também vai com criatividade e inteligência na optimização dos meios.

Quer isto dizer que a tarefa vai ser fácil? Nada disso. Mas estou certo de que também foi por isso que o António Mega, homem de desafios, aceitou o cargo.

D. MARIA II. O Teatro Nacional teve, a meu ver, nos tempos do salazarismo, uma boa tradição. Uma companhia residente - a de Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro - que ganhou essa qualidade por concurso e desempenhou um papel de vanguarda, apesar da ditadura. Nenhum dos grandes nomes do teatro português dos últimos 50 anos nega isso. Pela programação, apesar da censura e de alguma "auto-regulação" por via do peso do regime, passou o melhor da dramaturgia clássica portuguesa, muito da melhor estrangeira, autores modernos, teatro mais popular e menos popular, teatro infantil, teatro para todos os públicos. Que é para tal, parece-me, que o Teatro Nacional deveria servir. Ele também, deveria ser um centro de agitação cultural.

Não entendi, ainda, porque essa via não foi seguida, após o 25 de Abril. Abrir concurso, com premissas de programação obrigatória e regras de financiamento público definidas, exigência de consistência cultural e empresarial aos concorrentes, controlo de resultados. A rota do D. Maria II, nestas últimas décadas, foi por demais errática. E, como tal, de resultados medíocres. O Teatro Nacional tem sido um pássaro de asas cortadas. O Estado que enquadre a sua actividade e deixe quem tem unhas tocar aquela guitarra.


O HINO. Tem havido muita polémica em torno do uso, pela PT, do Hino Nacional num anúncio institucional. Discordo dos críticos. A PT, como a TAP, por exemplo, é uma empresa de bandeira. Um pouco da imagem interna e externa de Portugal resulta da sua actividade. E temos de desencalhar o Hino, sem o desrespeitar. Não vejo porque ele há-de ficar reservado para o futebol e as aparições do Presidente da República. O Hino é uma afirmação nacional, em tempo de globalização. Das poucas que nos restam. Nas escolas pouco é aprendido e cantado já. E, não fora a selecção portuguesa de futebol, talvez prosseguisse o seu caminho de esquecimento - da música, da letra e do sentimento nacional. Deixem os acordes dos "heróis do mar, nobre povo" ser arautos do que de bom Portugal tem.

"De Mega Ferreira ao D. Maria II", in Diário de Noticias de 17 de Janeiro de 2006

José Manuel Barroso
Jornalista

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