"Isabel de Castro dizia-nos numa entrevista "Só temo a morte das pessoas que me são próximas; por mim, sempre a vi como uma figura muito bonita, idealizada desde criança como uma bonita mulher, pálida, de longos cabelos negros, misteriosa evidentemente, mas nada terrífica." (DN Magazine, 1991) Terá sido essa figura da morte, serena e bonita, a levar, da exaustão duma doença longa, a actriz que se despedia do público por via da telenovela Anjo Selvagem (TVI, 2001-02), após deixar marcas indeléveis no teatro e no cinema do último meio século. Com 74 anos feitos em Agosto, e há alguns retirada no Alentejo, a repousar da "vida alucinante", Isabel de Castro morreu ontem na sua casa de Borba, em cujo cemitério será hoje sepultada, após missa de corpo presente na Igreja de S. Sebastião.
Cinco vezes mãe, outras tantas avó e duas vezes bisavó, tendo perdido já a filha mais velha, Isabel Maria Bastos Osório de Castro e Oliveira, natural de Lisboa, neta da feminista Ana de Castro Osório, oriunda da burguesia liberal e culta (pai escritor, mãe cantora lírica), foi apoiada pela família na escolha da arte de representar - várias vezes disse ter começado a ver teatro aos quatro anos, ao colo do pai.
Estreando-se aos 14 anos no cinema (Ladrão, Precisa-se, de Jorge Brum do Canto, 1945) e um ano depois no Teatro Estúdio do Salitre, trocou o liceu pelo Conservatório, mas depressa se mudou para Madrid, mediante contrato para filmar nos dois países. Em Espanha, a carreira traduziu-se numa quinzena de títulos (1949-1956). Entretanto, publicou um romance (Antes da Vida Começar...). Regressada ao País em fase negra do cinema nacional, começou, sobretudo, por pisar os palcos no Teatro Nacional Popular, a companhia de Ribeirinho com sede no Trindade; na Companhia de Amélia Rey Colaço/Teatro Nacional. Com base em Lisboa, fez breve passagem pelo Teatro Experimental do Porto e integrou até uma companhia de revista de Giuseppe Bastos, em digressão pelas colónias de Angola e Moçambique (1962).
Jamais abandonando o cinema, a retrospectiva que a Cinemateca lhe dedicou em 1990, logo no título ("Isabel de Castro e os Cinemas Portugueses") ilustra a travessia da actriz por filmografias de sucessivas gerações de realizadores. Destaque para a fase iniciada, em 1965, com António de Macedo, no Cinema Novo (Domingo à Tarde, segundo o romance de Namora, a contracenar com Ruy de Carvalho) e prolongada em filmes de cineastas que vão do veterano Oliveira às mais novas gerações, abundando a sua presença, sempre generosa, em primeiras obras, de Silva Melo a Pedro Costa, Manuel Mozos ou Inês de Medeiros.
No teatro, a trajectória de Isabel de Castro ia passando, ao mesmo tempo, por (quase) tudo quanto era experiência inovadora, sem ter deixado de passar pela empresa de Vasco Morgado. Assim é que, do Nacional e do Trindade, seguiu para o Teatro Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins, derivou para a Casa da Comédia ou o TEC. Após 1974, deteve-se na Cornucópia, onde, por exemplo, protagonizou Música para Si, de Franz-Xavier Kroëtz, encenação de Cintra/Silva Melo, que Solveig Nordlund filmou (1978). Um papel mudo, ao qual a intérprete atribuía ainda maior importância do que à personagem-limite d'A Voz Humana, de Jean Cocteau, um dos seus mais memoráveis desempenhos no Teatro da Graça, direcção de Rogério de Carvalho. Nesses gloriosos anos do Grupo de Teatro Hoje, Isabel de Castro somou criações notáveis, do ciclo Cocteau ao americano, ao russo e ao nórdico. Extinto o grupo, a breve trânsito pelo Teatro Aberto, seguiu-se o Teatro da Garagem (depoimento abaixo), nas derradeiras temporadas em cena, antes da despedida na TV.
Ontem, José Amaral Lopes, veredor da Cultura da CML, manifestou, em comunicado, profundo pesar pela morte da actriz. Um sentimento que todos partilhamos." - Diário de Noticias, 24-11-2005
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