segunda-feira, maio 16, 2005

Textos de Maria Rattazzi - 1879

Conclusão da Carta Oitava do livro "Portugal de Relance" de Maria Rattazzi, da Editora Antígona.

"Antes de pôr de parte os teatros e os espectáculos, mencionarei algumas circunstâncias características.
Em primeiro lugar, as pateadas. Em Portugal há três meios de mostrar aprovação aos artistas. Primeiro, aplaudir com as mãos, como em toda a parte; segundo, que traduz vivíssimo contentamento, gritar: bravo! bravo! muito bem! Como em Itália; terceiro, que representa a quinta-essência do entusiasmo, levantar-se e agitar com o lenço.
Para manifestar desaprovação ou descontentamento, o assobio é desconhecido. Bate-se no soalho da sala com os pés ou com a bengala, com moderação, com força ou ruidosamente, segundo o grau de desprazer que se experimenta. A acção chama-se patear, o efeito pateadas. Em França, quando não se quer rasgar as luvas - refiro-me aos que as usam -, bate-se com a bengala, o que equivale ao aplauso. Em Portugal, essa manifestação corresponde ao fim inteiramente oposto; portanto, quando a plateia pateia, é um barulho, uma confusão com que ninguém se entende e, um momento depois, uma poeirada cega.
Aproveito esta ocasião para emitir a minha opinião pessoal com referência às pessoas que assobiam no teatro. Acho-as estúpidas e injustas. Estúpidas, porque não remedeiam coisa alguma: imjustas, porque às vezes despedaça, a carreira de um pobre diabo que ganha o pão quotidiano à custa de um trabalho duro e doloroso. Quando ides a um estabelecimento e vos vendem gato por lebre, não tornais lá outra vez, não é assim? Fazei o mesmo com relação ao teatro onde sois mal servido, mas não assobieis!
Os usos e costumes teatrais em Portugal estão ainda em estado primitivo. São mais burgueses do que desregrados, Há nos pequenos teatros mulheres que se determinam a aparecer no palco com o fim único de produzir às luzes da ribalta o efeito que decerto não fariam na rua, mas é por excepção, pela boa e excelente razão de que há poucos amadores ricos. Na maior parte das cenas, as actrizes são casadas ou vivem maridadas com pessoas da sua eleição, dando tanto que falar do seu comportamento como da sua inteligência nos domínios da arte, com algumas excepções. Se quisesse citar uma que se distinguisse das demais, pelo seu luxo ou galantearias, ficaria deveras embaraçada, embora tivesse interrogado a este respeito todo o mundo. Sob este ponto de vista, Lisboa não tem afinidade alguma com Paris.
No teatro de S. Carlos, que é mais italiano que português, pois que não se representam senão obras italianas interpretadas por artistas italianos, as cantoras são na máxima parte mulheres honestíssimas, escoltadas pelos pais quando estão em estado de núpcias, vigiadas pelos maridos e muitas vezes pela prole quando são mães de família.
Não há, no meu conceito, situação mais grotesca no mundo do que a de marido de mulher de teatro, principalmente quando o sobredito não tem outra ocupação senão acompanhar a esposa e meter na algibeira o dinheiro que ela ganha. Parece, porém, que o ofício é bom, porque nunca falta gente para o exercer; essas damas casam quase sempre.
As dançarinas do teatro de S. Carlos não dão ensejo a que o mundo fale delas. E duas razões há para isso: a primeira é que, salvo duas ou três escepções, são feias de meter medo ao mais animoso; a segunda é que na maior parte, ao que parece, atingiram essa idade feliz em que há todos os direitos ao respeito da multidão."
A próxima Carta que será retirada deste livro "Portugal de Relance" será a Décima Quinta. Para mim a mais cómica e hilariante das descrições de Rattazzi. Nesta serão focados os seguintes temas: Lisboa por dentro - As casas - Os quartos - As pias - Os parasitas - A alimentação - A cozinha - A questão da água - Sistema do esgoto - Primeiro os vivos, depois os mortos - Os enterros.
Mas isto ficará para depois.

1 comentário:

Gustavo Monteiro de Almeida disse...

Curioso.

Como é que o tempo passa mas os costumes ficam, quase todos, intocáveis, apesar das novas roupagens...