sexta-feira, maio 13, 2005

Simone de Oliveira em Marlene

Ontem fui assistir a mais uma prova superada de Simone de Oliveira como actriz na peça Marlene, no papel de Marlene Dietrich, no antigo cinema Mundial, agora transformado em teatro.
Simone, mais uma vez, surpreende. Consegue momentos de grande intensidade dramática, absolutamente convincentes, ajudada por um texto bom, que toca em vários aspectos da vida "privada" da grande diva do cinema e da música alemã.
É um papel que lhe assenta que nem uma luva. Simone tem um porte majestoso em palco, um rosto bonito e uns olhos falantes hipnotizantes.
A caracterização está muito bem realizada e os figurinos bem escolhidos. Tenho apenas pena que não se tivesse utilizado na última o fato que Simone envergou quando da primeira estreia de Marlene, no Teatro do Campo Alegre, no Porto.
A Marlene que nos é apresentada é contraditoria, obcecada, frágil. À medida que o enredo se desenrola vamos sentindo a carga da existência de Dietrich. As suas manias, fobias, o físico debilitado, a dúvida de mais um espectáculo.
As comparações entre a icon alemã e a portuguesa não se podem deixar de fazer. Estou certo que partes do texto respeitantes a Marlene caberiam perfeitamente numa peça de teatro que fosse escrita sobre a Simone.
A encenação de Carlos Quintas, que tanto quanto sei é a primeira, é eficaz e convincente. Mais uma agradável surpresa.
A personagem de Amélia Videira, embora quase discreta e submissa, é muitissimo bem representada, com uma mimica facial deslumbrantes.
Já Mafalda Drummond, na minha opinião, está menos bem, especialmente ao nivel das inflexões de voz, tornado-se por vezes irritante.
O espectáculo termina com Simone a cantar 5 ou 6 músicas de Marlene Dietrich e uma de Edith Piaf. As músicas estão muito bonitas e a sua adaptação para portugues parece-me também muito bem conseguida (embora não perceba rigorosamente nada de alemão). Soam muito bem.
Uma especial nota para a música Ma Vie en Rose, de Edith Piaf, deliciosamente interpretada em francês. Simone canta com os jeitos de voz de Marlene e num registo que fica arrebatador para o timbre ainda fantástico que Simone ainda possui. Estranho estranho é que aquela forma de cantar tipica de Simone - "desatarracha lâmpadas e afasta cortinados" (como a própria o diz) - está de todo ausente, devendo ter sido o Cabo das Tormentas para o ensaio das mesmas.
Durante este mini-concerto de Marlene/Simone veio-me à cabeça as semelhanças incriveis entre Simone e Marisa Paredes, a "diva" de Pedro Almodovar, e pensei o que seria da voz da "Desfolhada" nas mãos deste brilhante realizador. Uma incógnita.
Como última referência apenas a extraordinária sensualidade e capacidade de atracção que Simone transmite.
Se em "Alma Mahler" (podem ver duas fotos desta peça neste blog) Simone de Oliveira estava enquadrada de forma perfeita no perfil da personagem, em "Marlene" superou-se.

Marlene

2 comentários:

Anónimo disse...

Não podia deixar de comentar este post, acrescentando algumas palavras. Desde logo pela qualidade do texto da peça, cuja autoria (Pam Gems) fica esquecida no cartaz e pela inexistência de programa.
Por outro lado, a interpretação de Simone de Oliveira que não só nos faz esquecer os traços latinos da própria e que, à partida, nada teriam de Marlene, assim como nos faz esquecer a existência de um pobre cenário.
Há que referir a encenação e os recursos multimédia e a música ao vivo que resultaram sobremaneira.
Gostei particularmente da escolha do guarda-roupa, cujo estilista não agoirava nada de bom. No entanto, o smoking bem Valentino que, aliada à cena do beijo, reafirmam a bissexualidade da diva mas, simultaneamente sublinham a sua feminilidade. Inclusive o Sultry Pearl estava lá, nos dedos de Simone. Tudo o mais já ficou dito no post.
Faz-me recordar quando Maria Callas gravou a versão stereo da Tosca, cujos comerciais anunciavam: Callas is Tosca. Resta dizer que Simone é Marlene.
Espero que a reposição desta peça lhe possa lembrar que pode continuar a sua carreira, como diseuse, que não lhe ficaria nada mal, pelo contrário, pois só demonstrou que continua com muito para dar. Tanto assim é, que parece que vai partir para Viena para mais representações de Alma Mahler.

Gustavo Monteiro de Almeida disse...

Duas grandes senhoras, uma reinventando a outra, em miríades de espelhos da realidade, e de existências bem femininas.