quinta-feira, abril 14, 2005

Textos de Maria Rattazzi - 1879

- Continuação
"Assim passa a glória neste mundo! Sic transit gloria mundi!
Da derrocada financeira da empresa, restou porém uma coisa: uma palmeira magnífica, objecto de todos o mais notável do estabelecimento, o único que realmente não é de papel, papelão ou cartão pintado. Os outros cartões subsistem ainda, verdade é; mas quão distantes das primeiras esperanças e como as suas frescuras estão baças e amortecidas! O teatro que aberto a todos os ventos se assemelha a uma estufa em que as vidraças estivessem quebradas, é exploradas por acrobatas, velocipedistas, bezerros de três cabeças e outros fenómenos e uma companhia de zarzuela espanhola (opereta). Merece esta menção honrosa; representam por vezes peças originais que não carecem de brio e de bom sainete.
A clientela habitual dos Recreios não é absolutamente de primeira plana; aos domingos de Verão uma excelente banda de música regimental atrai algumas pessoas de todas as classes ao jardim convertido em centro comercial de cocottes de toda a proveniência e natureza, convertendo-se assim em uma espécie de Bolsa galante; as vendedoras de água trajam à moda de vivandeiras, no género do vestuário da Isabel do Jockey-Club, e constituem uma das curiosidades daquele recinto e das duas pseudodivisões.
Numa palavra, a invenção do clown inglês é pouco bafejada pela aura da fortuna; o jardim é um verdadeiro calvário. Há ali Madalenas e capelinhas onde se podem fazer estações. A propósito devo mencionar uma curiosidade: dou ao leitor mil, cem mil coisas, para de entre elas adivinhar o que se colocou numa dessas capelinhas-grutas como ornamento. É inútil fatigarem a inteligência procurando acertar. Colocou-se uma dianteira de fogão em mármore!... Há portugueses que estacam assombrados diante desse fogão e perguntam qual a razão que determina a sua existência, e não deixam de confessar que a ideia é altamente engenhosa. Um fogão de mármore num jardim de Verão! Que singularíssima concepção!
O teatro da Rua dos Condes é uma ruína arqueológica. Tomou o nome da rua em que foi construído. É bastante concorrido, em primeiro lugar pela modicidade dos preços, em segundo porque se representam ali dramalhões de grandes lances assombrosos, como o Correio de Lião, Os homens do mar e outras máquinas de lágrimas e desesperos. Em toda a parte há gente que é preciso assustar e fazer chorar para a divertir. Confesso, porém, a minha parcialidade pelo drama... O teatro é dirigido pelo grande actor Santos, actualmente quase cego, uma das mais interessantes figuras artísticas de Portugal.
O teatro das Variedades, onde se representam mágicas e revistas, deixou de existir, em holocausto à futura Avenida da Liberdade.
O Circo Price, condenado à mesma sorte, assim designado pelo seu fundador, o sr. Price, antigo acrobata, é de madeira e suficientemente feio. Ultimamente, um industrioso vienense, o sr. Ebo Amann, deu-lhe o nome de Coliseu, atraindo ali grande concorrência por ocasião de exibir uma série de concertos notáveis, onde figuraram Sarrasate, a cantora Donadio e o maestro espanhol Breton. Perdoar-se-ia todo aquele rude desconforto e mau arranjo, se aí se pudesse estar, mas é impossível; só funciona durante o Inverno, e o vento e o frio, que se filtram por todas as junturas dos emadeiramentos, salteiam o espectador sob a forma de uma temperatura de mares glaciares. Ao cabo de um instante tirita-se; um quarto de hora depois está-se gelado, e muito feliz se será se no dia seguinte apenas nos sentirmos com uma defluxão ou um ligeiro ataque de reumático. Vê-se neste círculo o que se vê em todos os circos: cavalos que volteiam, levando Messieurs e Madames que saltam arcos de papel dourado ou rompem inumerável quantidade de círculos da mesma espécie, passando através deles. Sinal particular: é raro haver casa cheia no Circo Price, e as receitas apenas dão para o sustento dos cavalos, pelo menos foi o que se me afigurou nas duas vezes que me aventurei a ir lá.
Continua

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