sexta-feira, março 11, 2005

Pedro Barroso - Impressões do Concerto


Pedro Barroso

Assisti esta quinta-feira, dia 10 de Março, ao concerto (ou convívio, como ele próprio apelidou) de Pedro Barroso, no Forúm Lisboa.
Foram duas horas e meia de puro prazer musical e linguístico.
Pedro Barroso, que comemora 35 anos de carreira, nada tem já a provar.
É um poeta irónico e carregado de humor, sempre com umas boas "ferruadas" prontas a serem lançadas para o ar.
Mas acima de tudo Pedro Barroso é um homem que emociona. Emociona pelas palavras, emociona pela postura, emociona pela voz(eirão).
O concerto, em modos bem intimistas, tinha na assistência uma geração bem representada - a dos que viveram e fizeram o 25 de Abril e, portanto, em perfeita sintonia com o anfitrião da noite.
Numa "rapsódia" que durou cerca de 10 minutos, Pedro Barroso evocou/homenageou grandes figuras da canção de intervenção, poetas e outros cantores. Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, entre outros. Mas o ponto alto, pela emoção que causou, foi a referência a José Afonso. A sala em unissono entoou emocionada as palavras de Zeca. A meu lado, um casal deu as mãos de forma forte e comovente, levando-as aos lábios para as beijar... aquele gesto foi, concerteza, o mesmo gesto tantas vezes feito em horas de luta durante a vida, o gesto feito quando festejaram nas ruas o dia de 25 de Abril de 1974. Foi, de longe, o mais bonito gesto que alguma vez presenciei.
Pedro Barroso não esqueceu porém Ary dos Santos, Sofia de Mello Breyner, António Gedeão ou Manuel Alegre. Falou de Natália Correia, caricaturando-a de forma respeitosa e divertida, ilustrando os seus jeitos e trejeitos megalómanos.
Mas a gargalhada sadia mais forte surge quando homenageia Simone de Oliveira, frisando ser admirador e respeitador da mulher e da obra. Confesso que me surpreendeu.
Não raras vezes ouvimos apelidar Simone de Oliveira como "mulher do regime Salarista", "simpatizante do regime".... etc. Mas também se disse o mesmo de Amália Rodrigues, de Almada Negreiros ou de Amélia Rey Colaço. Disparates.... E muito me alegrou ouvir a homenagem feita a Simone. Afinal, foi ela que cantou a Desfolhada de Ary e que teve, na sua chegada a Santa Apolónia após o Festival da Canção em 1969, a maior manifestação espontânea de sempre em Portugal, sem contar com o 25 de Abril. Simone de Oliveira ofereceu, a todos os portugueses, ao cantar o Ary, um primeiro raio de luz, de esperança, de um Portugal Novo possível.
E o "convívio" continuou, com alusões a vários episódios da História de Portugal e dos Portugueses. Houve ainda tempo de descrever os Romanos (os da era antiga, entenda-se) como sendo "sujeitos de saias de cabedal por cima do joelho e piaçaba na cabeça".
Pedro Barroso declamou de forma comovente alguns dos seus poemas, publicados num livro recentemente editado.
Antes de tudo, Pedro Barroso é um mestre de brincar e ironizar com as palavras e os seus sentidos, criando jogos de ideias e significações brilhantes.
Mas o que rege toda a escrita e música de Pedro Barroso é o amor/ódio/desencanto/confusão a Portugal. Acho mesmo que a palavra Portugal poderia ser o sub-título de todas as suas composições.
Bem haja Pedro pela belíssima noite. Que, como havias pedido, daqui a 35 anos estejamos de novo naquela sala a ouvir-te.
Ah.... um aviso a todos os que lerem este texto... o Pedro Barroso pediu que, quando falecesse, não digam nos Telejornais que - "Faleceu o músico de 'Menina dos Olhos de Água', Pedro Barroso" - Ele pede que se diga que tem mais quatrocentas e tal músicas além dessa.... variem...
Anúncio confidencial


Arranja-me um fio de prata dois silêncios e um sorriso
e desaperta no peito dois botões p'ro paraíso
e dá-me beijos na testa quando começar o dia
sorri-me longa a manhã no teu corpo devagar
sendo horas de nascer tu sabes o teu lugar
de dia estamos distantes como quem não dá por isso
mas pressentimos no corpo uma espécie de feitiço
responde à posta restante anúncios confidenciais
se não existires eu faço-te
já esculpi outras que tais
que às vezes ao fim da tarde quando me vem cansaço
vou atirar-me p´ro maple e encontro o teu regaço
e tu dizes coisas andas zangada comigo
e eu fico na plateia e nem sei bem o que digo
e irritada tu beijas resvalas mordes ondulas
e eu que andava tão longe quando m'insultas e pulas
eu transformo-me da pedra em ondas gaivotas mar
e eu que não estava ali reparo nas tuas pernas
reparo na tua boca
e passo de novo a estar
reparo na tua boca que eu nunca soube explicar
e sinto incêndios nas veias e sinto incêndios no mar
vêm aí horas ternas são horas de mergulhar
desculpa Mundo - já demos!... São horas de te esquecer
são horas de enlouquecer - desculpa lá vou fechar...

(música e letra de Pedro Barroso in LP «Pedro Barroso», 1988)

Viriato



Trago comigo uma guitarra para a viagem
na minha voz esta canção antiga
tenho nos olhos mais do que a paisagem
a memória e o sal da gente amiga
não feneceu ainda em mim o velho sonho
trago na ideia uma razão e um sentido
que eu tenho o mar, o fundo mar, por testemunha
e a esse mar que em mim navega tudo é devido
e há qualquer coisa em tudo isto
que eu não posso ou sei esconder
e que faz com que vos cante esta canção
é uma história um gesto antigo que eu nem sei como dizer
Viriato tem mil anos de razão
É do verde e fresco Minho que eu vos falo
e dessa calma alentejana que nos cala
e é em casa junto ao rio Tejo que me embalo
e é em Sagres que essa história mais nos fala
lá nas Atlântidas perdidas de um sonho
ou num velho cacilheiro que nos leva
e há nas ancas das varinas no Porto, na ribeira,
todo um mundo que nos lembra e que celebra
e há qualquer coisa em tudo isto
que eu não posso ou sei esconder
e que faz com que vos cante esta canção
é uma história um gesto antigo que eu nem sei como dizer
Viriato tem mil anos de razão
(letra e música de Pedro Barroso in CD "Cantos D' Oxalá", 1996)

2 comentários:

Anónimo disse...

Sou também um grande fã de Pedro Barroso. Muita pena não ter ido ao concerto.

Anónimo disse...

Estou a gostar de ver este entusiasmo com o blog. E o bom gosto também!