quarta-feira, setembro 05, 2012

António Barreto, Rui Ramos e Filomena Mónica e a defesa da História de Portugal VS o sujeito Loff


E aqui ficam os textos do sujeito Loff que começaram esta polémica:
 
Este é o primeiro:
 
"O Expresso está a oferecer gratuitamente aos seus leitores uma História de Portugal dividida em nove fascículos, apresentando-a como “um dos livros mais vendidos de sempre” entre os que se dedicaram à nossa história. O Expresso acha (eu não) que este é “hoje reconhecido como um dos melhores livros sobre a História de Portugal”, e terá querido disponibilizá-lo a dezenas de milhares de leitores para quem é apetecível uma síntese em 900 páginas da “história de um grande país”.
 
O livro é coordenado por Rui Ramos (RR), um historiador especializado na Monarquia Constitucional e na I República portuguesas mas que se encarregou nesta obra de cobrir também o período entre 1926 e a atualidade. As épocas medieval e moderna estiveram a cargo de dois historiadores (Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro) cujo trabalho não comentarei. Dedicarei esta e a próxima crónicas especificamente ao trabalho de RR, que concebeu e coordenou a obra e disse há dois anos que ela pretendia ser meramente “uma porta de entrada na História”, e “aguçar o apetite do leitor”, descrito como“exigente” (Prólogo, p. II), e “fazer com que as pessoas queiram ir ler mais”(PÚBLICO, 31.5.2010). Esperemos que sim.
 
RR não é um historiador qualquer; a sua visibilidade pública é ajudada, como em pouquíssimos casos, pelo seu acesso às tertúlias televisivas e à imprensa, onde se tem destacado como uma das penas mais sólidas da direita intelectual portuguesa, que reivindica “o prazer da provocação intelectual e reconhece um aguçado espírito de contradição, sobretudo quando o alvo é a esquerda” (Ler,janeiro 2010). Para percebermos o que RR entende por “provocação”, e em resposta a quem acha — como eu — que o seu trabalho é puro revisionismo historiográfico política e ideologicamente motivado, ele entende que “toda a História é revisionista” e nela “é necessário afirmar originalidade” (PÚBLICO, 31.5.2010).
 
Centremo-nos hoje na narrativa que RR faz do papel de Salazar na história. Para ele, o Estado Novo era “um regime assente (…) no monopólio da atividade legal por uma organização cívica de apoio ao Governo”, e esta é a forma como ele classificará sempre o partido único da ditadura, com “a chefia pessoal do Estado” entregue a“um professor catedrático introvertido”, um homem “de outra espécie”, com “nada de uma personagem ditatorial” como a dos líderes da Europa fascista do tempo (pp. 627 e 638-39). Neste campo, a primeira das suas preocupações é a mais comum entre os historiadores da área de RR: desenhar um Salazar sensato e algo neurasténico, que não gostaria de uniformes (apesar da origem militar do regime e do seu caráter inevitavelmente policial e repressivo) e que nada teria a ver com Hitler, Mussolini ou Franco. O “pobre homem de Santa Comba”, como o ditador se definiu a si próprio, teria “para Portugal objetivos simples” pois propunha-se “fazer viver Portugal habitualmente” e “queria instituir uma“ditadura da inteligência” para “fazer baixar a febre política” no país e“reencontrar o equilíbrio” (p. 639).
 
A segunda originalidade de RR decorre daqui e descola totalmente da realidade: oferecer-nos um Salazar liberal, por oposição aos republicanos de 1910 (um dos ódios de estimação de RR), que, praticamente totalitários, teriam estado empenhados em fazerem da sua“revolução” uma “transformação cultural violenta” feita por um “Estado sectário” (pp. 585-86)! Salazar, pelo contrário, queria “assentar o Estado, não na “abstração” de indivíduos desligados da sociedade e arrastados por ideias de transformação radical, mas no que chamou o “sentimento profundo da realidade objetiva da nação portuguesa””. Para RR, “a “missão” do líder” era a de“reconciliar os portugueses com essa “realidade”, e ao mesmo tempo ajudá-los a adotar modos de vida sustentáveis”. Em resumo, “o seu modelo implícito era o que no século XIX se atribuíra aos “ingleses”, prático, “pouco sentimental”:“Eu faço uma política e uma administração bastante à inglesa”” (pp. 639-40) —isto é, um Salazar primeiro-ministro da rainha Vitória... Se acompanharmos as suas crónicas no Expresso, a lição da História para a análise da crise atual parece evidente. Hoje, “a austeridade é, no fundo, a vida depois de desfeitas as últimas ilusões do passado” –exatamente como Salazar, que “tinha ambições, mas não ilusões” (RR, in Sábado, 14.1.2010), se havia empenhado em “reconciliar os portugueses com a realidade” e em “ajudá-los a adotar modos de vida sustentáveis”! E o que é que, na opinião, de RR foi insustentável no nosso passado recente? “Uma classe média de funcionários (…), uma economia de trabalhadores e empresários protegidos, e a estatização de grande parte dos serviços (educação, saúde) e da segurança social” (Expresso, 28.7.2012).
 
RR leva à prática o que ele próprio estabeleceu como o fim “desta História de Portugal [o de] despertar a atenção para a importância da História como meio de dar profundidade à reflexão e ao debate público sobre o país.” Para ele, “a História (…) é uma maneira de pensar” (Prólogo, p. IV). Tem toda a razão. E a sua está bem à vista."
 
Este é o segundo:
 
"O Expresso decidiu oferecer gratuitamente aos seus leitores a História de Portugal em 9 fascículos, coordenada por Rui Ramos (RR). Nela, apresenta-se-nos uma ficção sinistra e intelectualmente cínica sobre a ditadura salazarista, procurando aquilo que, até hoje, ninguém na historiografia séria e metodologicamente merecedora do nome tinha tentado: desmontar a natureza ditatorial do Estado Novo. Como comecei a expor aqui há duas semanas atrás, é inaceitável que se pretenda consagrar uma leitura tão manipulada da História.
 
Para RR, o salazarismo era “uma espécie de uma monarquia constitucional, em que o lugar do rei era ocupado por um Presidente da República eleito por sufrágio direto e individual” (pp. 632-33), que “reconhec[ia] uma pluralidade de corpos sociais (...) com esferas de ação próprias e hierarquias e procedimentos específico”, mas que só “não admitiu o pluralismo partidário” (p. 650). Nada se diz sobre o papel das eleições como simulacro de legitimação popular ou a fraude generalizada, realizada mesmo quando nenhuma candidatura alternativa se atrevia perante a do partido único, para inflacionar artificialmente a votação e simular um consenso que não existia.
 
É inacreditável ver produtos típicos da fascização da sociedade, importados diretamente do fascismo mussoliniano, como foram os sindicatos nacionais, as casas do povo (verdadeiras “associações de socorro e previdência” que “desenvolviam atividades desportivas e culturais”) e os grémios corporativos, descritos como meras “associações” de “representação da população ativa” (p. 644), sem se escrever uma linha sobre a guerra total aberta aos sindicatos livres do período liberal, feita de prisões, deportações e mortes.
 
Para RR, a repressão, definidora de qualquer ditadura, “tem de ser colocada no contexto do uso da violência na manutenção da “ordem pública””. Sem citar documentos, Ramos faz aquilo que ele próprio diz que “os salazaristas fizeram sempre questão” de fazer: “Comparar os métodos repressivos [de Salazar] com a ‘ditadura da rua’ do PRP” (p. 652), sustentada sobre o “trabalho sujo” de “gangues chefiados por ‘revolucionários profissionais’” (p. 591), empurrando o leitor a achar que a I República fora muito mais violenta que a ditadura. Esta teria sido tão generosa que muitos “conspiradores e ativistas conservaram as suas posições no Estado em troca de simples abstenção política”; contrariando quase tudo quanto se escreveu na História social e da educação do salazarismo, diz-se que “não houve saneamentos gerais de funcionários” (p. 653)! Pior terá sido a Revolução de 1974-75, em que “20 mil pessoas [se] viram afastadas dos empregos” e “pelo menos 1000 presos políticos” terão sido detidos, “7 vezes mais do que no fim do Estado Novo” (p. 732)...
 
Espantados? Para RR, o salazarismo, afinal, “não destoava num mundo em que a democracia, o Estado de Direito e a rotação regular de partidos no poder estavam longe de ser a norma na vida política”. A democracia não existia nem na “Europa ocupada [sic] pela União Soviética”, nos “novos Estados da África e da Ásia” ou “mesmo na Europa democrática”, que “produziu monopólios de um partido (...), sistemas de poder pessoal (...), restrições e perversões” como “a proibi[ção] de partidos comunistas” ou “tortura e execuções sumárias” (p. 669). Em 1968, substituído Salazar por Marcelo, “a democratização não estava na ordem do dia” no mundo. Os “constrangimentos policiais”, justificados “no resto do Ocidente” pela “‘luta armada’ da extrema-esquerda” (pp. 697-98) que se inicia no final dos anos 60, eram semelhantes aos do Estado Novo. Eis aquilo que me parece puro cinismo: a democracia, afinal, não existia em lugar nenhum, o que esbate qualquer diferença entre ditaduras e sistemas liberal-democráticos, onde a violência do Estado e de classe coexiste com um mínimo de liberdade de ação para partidos e movimentos que contestem o Estado e os ricos.
 
Da violência colonial, dos massacres perpetrados contra africanos, nem uma palavra! E a guerra? “A opção [de recusa de sair das colónias] não pareceu inicialmente excêntrica na Europa” porque “a retirada europeia de África só começou em 1960”, omitindo que ela começara dez anos antes. Se a guerra colonial (nunca assim designada, claro) “foi o maior esforço militar de um país ocidental desde 1945” (p. 680), as “guerrilhas” tiveram “reduzido impacto”, a guerra “não foi demasiado cara” e era “pouco mortífera”, e, “talvez por isso, o recrutamento nunca foi um problema” (pp. 684-85), o que é talvez o erro factual mais despudorado de todos quantos RR comete! Em resumo, “a guerra foi aceite” (p. 685) pelos portugueses.
 
Dedução lógica: o que nos habituámos a chamar uma ditadura não era mais do que um regime semelhante aos que por lá fora havia, melhor até, no campo da repressão, do que muitos, a começar pela I República e o 25 de Abril! Em tempos de transição do Estado Social para o Estado Penal, como designa o sociólogo Loïc Wacquant à criminalização dos dominados que se opera nos nossos dias, o salazarismo voltaria a ser um regime para o nosso tempo."
 
Este é o terceiro:
 
"O debate de ideias não é fácil. E menos ainda quando se o procura evitar arrastando-o para um terreno que se pretende descrever como moral, quase judicial. Rui Ramos (RR), coordenador da História de Portugal que o Expresso que o decidiu oferecer aos seus leitores e que eu critiquei, na parte que lhe cabe, nas minhas duas últimas crónicas no PÚBLICO (2 e 16 de agosto), queixava-se há dois anos de que “vivemos num mundo muito diferente do que eu vivi em Inglaterra ou em Espanha, onde nos mesmos seminários, congressos e departamentos convivem pessoas com ideias muito diferentes, discutindo acalorada ou friamente, mas debatendo ou divergindo” (PÚBLICO, 31.5.2010). Ramos reagira assim quando, no PÚBLICO, São José Almeida o confrontou com as opiniões de vários historiadores (F. Rosas, A. Costa Pinto, M. de Lucena, I. Pimentel, eu próprio, com quem ele, mal ou bem, tem convivido em congressos, júris, comités), entre as quais se formularam críticas mais duras do que aquelas que eu agora dirigi ao seu trabalho.

O debate em torno do livro em questão não é novo e não surgiu do nada. A RR não se lhe ocorreu então de falar de “um simples caso de difamação pessoal”, de “desfaçatez”, de “calúnias” e “falsidades” — tudo epítetos com que me brinda hoje, evitando tratar-me pelo nome e chamando-me “um colunista quinzenal” do PÚBLICO, negando tratar-se de “uma polémica historiográfica ou [de] uma questão de opiniões”. Pela minha parte, habituado a que estou a que se use a tática da vitimização para desviar o debate, não alimentarei semelhante estratégia respondendo a tais epítetos — mas confesso achar que será fácil ao leitor perceber, como quase sempre acontece nestas situações, como todos eles poderiam recair sobre o seu autor...

É, no mínimo, excêntrico que RR gaste uma página inteira deste jornal para responder a “acusações” — a expressão é usada três vezes — “tão absurdas que não deveriam merecer resposta”. E, contudo, quem, como ele diz de si próprio, “há 7 anos que escrev[e] na imprensa semanalmente e particip[a] em programas de TV”, deve saber submeter-se à mesma crítica pública a que sujeita, como ele tem sujeitado, os outros. Sobretudo se publica resultados da sua investigação sob a forma de livro: nessas vestes, sabe que está sujeito ao contraditório e ao debate, regra intrínseca à produção de conhecimento que se pretende científico. E esse debate, mesmo que desenvolvido num jornal e não numa revista especializada, faz-se sempre com um mínimo de regras metodológicas simples, que passam por citar rigorosamente o que se pretende contradizer/discutir — o que fiz com tudo quanto de RR citei, ao contrário do procedimento (esse, sim, manipulador) que ele seguiu para se referir às minhas críticas, evitando fazer citações diretas e permitindo-se, assim, atribuir-me o que não escrevi. Ramos caricatura os meus argumentos e quer responder à caricatura. Se tal fosse admissível seria fácil, mas as minhas crónicas não foram escritas no Inimigo Público...

RR inventa até que eu lhe teria chamado fascista por escrever o que escreveu — adjetivo (com aspas, como se de uma citação minha se tratasse!) que usa três vezes na sua resposta. Imagino que queira arrastar-me para alguma alucinação sua de 1975, mas não o sigo. RR não precisa de ser fascista para ser um empenhado relativizador da leitura histórica da ditadura salazarista, que procura há anos desmontar a natureza ditatorial do Estado Novo para a tornar banal, comum, no contexto histórico em que ela se desenvolveu, usando argumentos que se conhecem há muito na Alemanha, em Itália, em Espanha, em França, entre outros, para relativizar experiências ditatoriais sobre cuja condenação se baseiam as democracias contemporâneas europeias, procurando branquear a imagem das ditaduras, quer reduzindo o seu peso histórico específico, quer contaminando todas as outras experiências políticas contemporâneas com a mesma suspeição moral. Há 15 anos que estudo este fenómeno; nada do que Ramos escreve me parece novo.

Sabendo bem como é inútil e desinteressante tornar estas discussões num o-que-eu-disse-mas-não-disse, é-me imprescindível insistir em que não escrevi que RR teria defendido “que a ditadura de Salazar não era uma ditadura, mas um regime democrático e pluralista”, como ele me atribui. O que disse, e reitero, e documentei devidamente, é que procurou desmontar a natureza ditatorial do Estado Novo, relativizando algumas das suas caraterísticas essenciais enquanto tal: (i) tomando a sua retórica propagandística como realidade; (ii) comparando-o com o liberalismo inglês do séc. XIX (p. 640) e com “uma espécie de uma monarquia constitucional” (p. 632), metáfora que, ao contrário do que RR escreveu há dias atrás, não tem curso legal entre “historiadores e juristas de diversos quadrantes ideológicos”; (iii) pressupondo haver uma “persistência do pluralismo” relativamente ao sistema liberal (p. 650); (iv) travestindo partido único, sindicatos nacionais, grémios corporativos, casas do povo, de “associações” “cívicas”, de “representação da população ativa”, “de socorro e previdência”, “desportivas e culturais” (pp. 627 e 644).

Dois casos terão irritado mais diretamente RR: a sua avaliação da repressão salazarista e aquilo que eu entendo ser uma visão intelectualmente cínica de um salazarismo que, afinal, “não destoava num mundo em que a democracia, o Estado de Direito e a rotação regular de partidos no poder estavam longe de ser a norma na vida política” (p. 669). As duas questões convergem para uma mesma visão, para a qual ele pretende conduzir o leitor: o salazarismo foi um regime claramente menos repressivo que a I República e o período revolucionário de 1974-75 (cf. pp. 652 e 732), e menos até que “regimes democráticos contemporâneos na Europa [que] apresentaram contabilidades repressivas análogas ou piores” (p. 652). Se aceitássemos como legítimas semelhantes leituras manipuladas da História, muitos achariam que o salazarismo, como aqui escrevi, poderia voltar a ser um regime para o nosso tempo.

Em contraste radical com a avaliação que faz do salazarismo, RR tem proposto um retrato especialmente retorcido do republicanismo e da I República portuguesa. É daquelas coisas que não há ninguém na historiografia portuguesa que não saiba. Sendo relativamente consensual discutir a democraticidade efetiva do sistema político republicano, sobretudo pela ausência de sufrágio universal, RR tem proposto comparações e interpretações que se qualificam a si próprias. Ele foi, por exemplo, capaz de encontrar semelhanças entre o republicanismo português e... o nazismo e a preparação do Holocausto. Não só ambos estiveram “umbilicalmente ligados a organizações esotéricas, de que retiraram símbolos e parte da retórica”, como, sobretudo, “o ódio [republicano] aos jesuítas constituiu uma espécie de antisemitismo da República. Aliás, algumas das medidas que Miguel Bombarda sugeriu contra os padres jesuítas (expulsão para uma ilha deserta, etc.) são semelhantes ao que os nazis alemães, alguns anos depois, pensaram fazer aos judeus, antes de se decidirem a exterminá-los” (A Segunda Fundação, 1890-1926, 1994, pp. 413 e 411). Para ele, “a República de 1910 (...) era um Estado confessional e de partido único” — exatamente aquilo que nega sobre o salazarismo, contrariando a maioria da historiografia —, tomado pela “ideia do ‘despotismo da liberdade’” que Ramos acha ser caraterística da “esquerda [que] dispôs sempre dos meios teóricos necessários para chamar “democracia” à imposição de uma vontade minoritária”. “Depois de 1926, a restauração das “liberdades públicas” fez parte das reivindicações do reviralho” oposicionista de 1926-31, “mas essa piedosa e modesta reivindicação foi sempre a canção do bandido [!!] de quem estava na oposição.” [Análise Social, vol. XXXIV (153), 2000, pp. 1062, 1064]. Uns equivalem-se aos outros, está visto...

Não creio ser necessário acrescentar mais nada.

P.S.: Parece haver um turbilhão de reações nos blogues da direita intelectual a estas duas crónicas minhas. Alguma coisa deve ter a ver com agosto e a silly season. A mais excêntrica e ofensiva de todas é a de António Araújo no PÚBLICO, um homem de que me habituei a citar um livro sobre a constitucionalização do salazarismo, que veio agora desenterrar uma crónica minha num jornal online já desaparecido de há... 6,5 anos atrás!, sobre os novos assessores da Presidência da República (ele incluído), e que ele não contrariou então. É incompreensível que, todos estes anos depois, Araújo pretenda que isto tenha a ver com a discussão do “modo de escrever a nossa História contemporânea”, muito menos com o livro de RR. Confundindo uma série de opiniões que eu, efetivamente, não lhe atribuí, é inaceitável a colagem que faz à minha discussão com RR, e menos ainda o tom de desafio e de banco dos réus (“delito”, “caluniar e difamar”, “vilipendiar”...) que assume. Assim não há debate possível."

Quererá o LOFF por-se em bicos de pés para chamar a atenção do BE às avessas?

Resposta de Rui Ramos a Manuel Loff

“Publicou o jornal PÚBLICO, nos números de 2 e 16 de Agosto, dois artigos de um seu colunista quinzenal a acusar-me de ter dito, na História de Portugal de que sou autor com Bernardo de Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, que a ditadura de Salazar não era uma ditadura, mas um regime democrático e pluralista, e que a melhor solução política para o Portugal de hoje é uma ditadura fascista como a de Salazar (há obviamente uma contradição nestas duas acusações, que parece ter escapado ao autor delas).

Para “provar” tais calúnias, são-me atribuídos argumentos que nunca defendi e deturpado o sentido de frases e de pedaços de texto, grosseiramente mutilados e manipulados. Darei alguns exemplos. É dito ter eu afirmado que Salazar não era uma “personagem ditatorial”, no sentido em que não era um ditador e o seu regime não era uma ditadura. Nunca, como é óbvio, disse isso: o que eu digo, a p. 639, é que Henri Massis, ao visitar Salazar em 1938, notou que “nada tinha de uma personagem ditatorial” (a expressão não é minha, mas de Massis), no sentido em que projectava uma presença muito diferente do ditador típico da época, como Mussolini, o que não quer dizer que Salazar não fosse um ditador (como até Massis o considera, aliás). De resto, chamo por todo o lado ao Estado Novo uma “ditadura”. É dito que eu considero o Estado Novo um regime absolutamente idêntico à monarquia constitucional do século XIX. Nunca, como é óbvio, disse isso: o que eu digo, a p. 632, na linha de vários historiadores e juristas de diversos quadrantes ideológicos, é que o Presidente da República – só isso – faz lembrar, na constituição formal do Estado Novo (muito diferente da efectiva), o rei da monarquia constitucional, o que não é a mesma coisa que dizer que a ditadura salazarista é igual ao regime liberal do século XIX. É dito que eu considero o Estado Novo um regime que não se distingue das democracias ocidentais do pós-guerra, quando o que eu digo, a pp. 667-670, é que a Guerra Fria levou as democracias ocidentais a tolerar e a enquadrar ditaduras como a de Salazar, cujas semelhanças com a Itália fascista noto a p. 638 (cito-me: “Em 1940, o Estado Novo lembrava em muitos aspectos o Estado fascista italiano”). É dito que eu faço a história da ditadura de Salazar sem jamais mencionar a censura, a PIDE, a tortura, etc. – quando, a páginas 654 e 694, descrevo o funcionamento da censura; a pp. 650 e 695, os recursos e os métodos de actuação da PIDE; a p. 651, cito o número de presos políticos, o número de mortes no campo de concentração do Tarrafal e o uso generalizado de torturas como a “estátua”; a p. 695, atribuo o assassinato do general Delgado à PIDE; a p. 673, refiro o sistema de penas de prisão renovadas por decisão do Governo (“a confirmação de que o arbítrio pessoal dos governantes substituíra qualquer procedimento judicial”) e as exclusões políticas no emprego; a p. 652, cito uma carta impressionante de José Marinho, de 1937, que bem revela o peso opressivo da ditadura salazarista sobre o quotidiano. É dito ainda que escondo a violência colonial, quando a verdade é que afirmo que, sob a ditadura de Salazar, tal como sob regimes anteriores, as populações das colónias estavam “à mercê da administração” (p. 659), prosseguindo uma análise de pp. 563-565, em que enfatizo a dimensão violenta da colonização em África.

Podia continuar. Não me parece que valha a pena. O resto é deste mesmo quilate. Recorrendo a tais métodos, e com a desfaçatez com que são usados neste caso, seria possível “provar” que qualquer pessoa é “fascista”. Permito-me convidar os leitores do PÚBLICO, sejam quais forem as suas convicções, a ler os capítulos sobre o Estado Novo na História de Portugal, quer na edição de livraria da Esfera dos Livros, quer na edição que está a ser distribuída gratuitamente pelo semanário Expresso. Não é uma obra perfeita. Terá limitações e defeitos. Mas estou certo de que nenhum leitor de boa fé, por mais que discorde das minhas interpretações, poderá dizer que derivam de “ideias fascistas”.
Há sete anos que escrevo semanalmente na imprensa e participo regularmente em programas de televisão. Os leitores do PÚBLICO puderam ler-me durante três anos, todas as semanas, entre 2006 e 2009. As minhas orientações e pontos de vista não são segredo. Toda a gente que me leu ou ouviu sabe que não tenho qualquer simpatia por ditaduras, sejam de direita, de esquerda ou do centro. Em tudo o que disse e escrevi sobre a ditadura salazarista, em publicações académicas ou na grande imprensa, em aulas ou em palestras, nunca deixei a mais ligeira dúvida sobre a natureza opressora e asfixiante do regime. Não por facciosismo, mas porque o regime era mesmo assim. Podia citar aqui o primeiro estudo académico que publiquei sobre o salazarismo, em 1986, na revista Análise Social, n.º 90, pp. 109-135 (disponível online). Mais eis, por exemplo, excertos do que escrevi no Expresso, suplemento Actual, 24 de Julho de 2010, pp. 8-13:
“Quando comparamos a ditadura salazarista com as suas contemporâneas, quer na década de 1930, quer na década de 1960, a contabilidade repressiva é modesta. (…) Mas não nos devemos enganar. A ditadura de que Salazar esteve à frente desde 1932, quando assumiu a chefia do Governo, foi mesmo uma ditadura, com censura, tortura nas prisões, penas indefinidas e discriminações políticas. Pareceu “moderada”, porque, como explicou Manuel de Lucena, era meticulosamente “preventiva”. Todos em Portugal estavam à mercê do poder, sem real protecção jurídica. (…) Nunca houve dúvidas de que (a ditadura) podia ser implacável. Deixou morrer três dezenas de anarquistas e comunistas no campo do Tarrafal, em Cabo Verde, entre 1936 e 1945. Perseguiu e exilou o bispo do Porto, encobriu ou não investigou o assassinato do general Humberto Delgado por agentes da PIDE em 1965″…
Como é possível alguém que leu isto dizer que eu “nego” a ditadura? De facto, as acusações que me foram feitas são tão absurdas que não deveriam merecer resposta. Esta não é uma polémica historiográfica ou uma questão de opiniões. É um simples caso de difamação pessoal. Mas, publicadas num jornal como o PÚBLICO, tais calúnias e falsidades poderão ter deixado perplexos alguns leitores que ainda não conhecem o livro. Para esses, e só para eles, escrevi estas notas. Para os que leram o livro de boa fé, mesmo sem concordar, não creio que sejam necessárias.”

Para acabar, a defesa de Filomena Mónica:

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