segunda-feira, abril 30, 2012

Rua Frei Tomé de Jesus



A Rua Frei Tomé de Jesus era uma das minhas ruas. Só tinha um sentido. Descendente. Adivinhava-se que ao chegar ao fim não se podia fazer meia-volta e recomeçar. E cheguei ao fim. Não houve volta a dar.

Na Rua Frei Tomé de Jesus havia uma casa, num prédio, diferente de todas as outras. Era uma casa de amor, de reunião, de cheiros e sabores.

Na casa da Rua Frei Tomé de Jesus, havia um móvel com bolachas em latas antigas, marmelada tapada com pano de linho, bolos caseiros em pratos redondos. Numa gaveta, entre panos e paninhos, estavam os caramelos. E um pano verde de mesa de jogo.

Naquela casa, com uma longa varanda, havia uma mesa de camilha. Nela, entre dois cadeirões, lanchava-se, jogavam-se cartas e escrevinhavam-se cartas. Naquela mesa, de camilha, fumava-se um cigarro e bebiam-se licores. Naquela mesa, de camilha, haviam rituais e lugares marcados.

Nas traseiras da Rua Frei Tomé de Jesus, ficava a cozinha daquela casa. Fabricavam-se sabores, prazeres, cheiros. Ouviam-se os cães, chatos, a ladrar. Havia passarinhos que iam ao beiral comer arroz. Um relógio de cuco que não “cucava”. Havia amor.

Na sala de jantar da casa na Rua Frei Tomé de Jesus havia uma mesa grande, para muitos. Homens à cabeceira, os restantes sentavam-se nos lados. Tinham-se conversas, festas de aniversário, política, memórias, risos e gargalhadas. E discussões. Os pratos eram brancos com rebordo alaranjado, os copos com pé-baixo. Cadeiras de costas altas forradas a tecido bordado. E corações cheios de cuidados.

Na Rua Frei Tomé de Jesus havia uma casa onde se nasceu e morreu. Onde se cresceu e se formaram memórias. Dias, semanas, meses, anos, décadas que se viveram. Um centenário que se comemorou. Uma vida que se fez morte durante a noite e que principiou o fim de outra vida.

A Rua Frei Tomé de Jesus já não é uma das minhas ruas. Só tinha um sentido. Descendente. E chegou ao fim, sem retorno. A casa, dizem, lá permanece… Não acredito.

Sei que não está, porque está em mim.

2 comentários:

João Veloso disse...

Eu também cresci nessa rua,no nº 8,frente à clínica,numa vivenda que foi vendida e completamente transfigurada.Frequentei o jardim infantil das traseiras e a Escola Primária do Bairro de São Miguel.Tenho de memória o mapa do bairro como a palma da minha mão!Entre outras memórias...

José Daniel Ferreira disse...

Os meus avós moravam no nº 3, 1º andar. No prédio mesmo ao lado da clínica... antes da clínica de quem entra na rua. é uma rua que me deixa óptimas memórias. É bem provável que os conheça... ou mesmo ao meu Pai.