quarta-feira, março 14, 2012

Meu caro Otelo Saraiva de Carvalho, pá... por Mário Viegas


Espero que esta carta, pá, te vá encontrar bem de saúde, pá, que eu cá vou indo, graças a Deus, pá. A carta é aberta, pois não sei a tua morada, pá. Quem te escreve é aquele Actor de Teatro e Recitador de Poesia, que usa o nome artístico de Mário Viegas. Não sei se estás a ver quem é, pá?! Fui eu, a quem uns amigos teus pediram em 1985 e 1987, para ler dois comunicados teus, pá, no dia 25 de Abril, em frente ao Forte de Caxias, à luz de fogueiras, numa Vígilia de Solidariedade para contigo e teus companheiros do caso FP 25/FUP, pá. Li ainda, uma carta tua numa grande homenagem ao saudoso e genial Zeca Afonso, em Setúbal. Penso que se me escolheram, foi por conselho teu e porque acharam que eu tinha dotes "dramáticos" para o fazer, pá.
Sabes que não tive um segundo de dúvida e lá estive em Caxias, emocionado, meio às escuras, com polícia por todo o lado, segurança "da malta", etc. Fiquei afónico, pá, para me fazer ouvir, sem microfones e de emoção e sinceridade.
Estavas preso há pouco tempo e como deves calcular, estando o Telejornal presente, fiquei muito marcado por isso e mal-visto em muitos meios do público de direita. Houve mesmo telefonemas ameçadores para uma sala onde eu fazia um Recital de Poesia, pá. Da fama de "cúmplice" ninguém me safou! Mas fi-lo "pelo coração", como faço tudo em política, pá! Mais! Nos tempos de antena da UDP e do PSR, aceitei participar, só para poder pedir a rápida solução do teu caso, pá. Não sei se te recordas ainda, que te visitei imediatamente no Forte de Caxias, (acompanhado pelo saudoso Actor Amílcar Botica) e várias vezes em Tomar (acompanhado pelo Zé Mário Branco e a Actriz Manuela de Freitas). Não julgas certamente que o fiz, para ganhar publicidade profissional, oportunismo, espionagem, eu sei lá o quê, pá!...
Ao ver-te e ouvir-te numa patética entrevista (repito: PA-TÉ-TI-CA!!!) na RTP-Canal 1, a jogar às cartas, com duas meninas "que fazem gracinhas de salão", fiquei estarrecido!!!
Será o Otelo, ou uma rábula do Herman José, pá?!
- Será possível que só tenhas 210 contos, em teu nome, no Banco?!
- Será possível que não estejas a favor dos "casamentos" entre homossexuais, com o único argumento de "que não gosto... não acho bem", pá?!...
- Será possível que aches que os partidos políticos têem dado cabo da Democracia?! Olha, que nem o Salazar diria melhor, pá!
- Será possível, pá, que sejas contra o serviço voluntário militar, (em substituição do obrigatório), porque o Exército se poderia encher de "skin-heads"'!
- Será possível, pá, que nunca tenhas dado por homossexuais na tua carreira militar e sejas contra a sua inclusão na vida militar, tal qual como os mais reaccionários falcões dos Exércitos de todo o mundo?
- Será possível, pá, que tenhas citado o Maestro Vitorino d'Almeida dizendo que eras um heteressexual assumido?! Má piada machista!...
- Será possível que desconheças a luta pela dignificação de centenas de milhares de homens e mulheres, em todo o mundo, neste final do século vinte, pá, principalmente depois do trágico problema da SIDA?
Mas... aqui é que eu gostava de chegar:
- Será possível que tenhas dito, que tens grandes amigos no Teatro (citaste: Cornucópia, Comuna e Barraca) e te tenhas esquecido da minha Companhia Teatral do Chiado, na Sala Estúdio do S. Luís e que tem como Director Artístico, o "parvo do Mário Viegas", há 5 anos?!
Há já uns 6 anos, pá, eu te convidei umas duas ou três vezes, para veres um espectáculo gírissimo que encenei no Ritz-Club, "O Regresso de Bucha e Estica". Estiveste na conversa e nos copos no 1º andar e nunca te dignaste subir para espreitar, pá. Fiquei muito sentido!!
Nunca te deste ao trabalho nestes cinco anos, de ver um dos nossos onze espectáculos e quatro exposições e vários recitais de Poesia. Ou também és daqueles esquerdistas, que acham que só devem ir "de borla e por convite"?!
Eu não fiz mais que a minha obrigação, ao tentar "romanticamente" ajudar-te, dentro dos limites da minha profissão e coragem. Não o fiz para me agradeceres ou dar presentes...
Mas, "Só não sente, quem não é filho de boa-gente!!" diz o Povo Unido e com razão, pá!
Não te zangues comigo... Não penses que isto é "cabala" deste jornal... Nem venhas agora a correr à Rua Antonio Maria Cardoso... (É uma triste ironia...)
Gostaria de saber, pá, que raio de "intriguistas" é que estiveram por trás do teu silêncio para comigo há uns 6 anos. Tu, que amas tanto o Teatro, pá...
E fico com a imagem do Salgueiro Maia, na minha terra, Santarém, que se cruzou comigo e disse: "Obrigado por tudo o que tens feito pela divulgação da Poesia Portuguesa."
Confesso que fiquei emocionado e vaidoso. Mas como sabes: "Os Deuses levam sempre primeiro, os Melhores!"

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