quarta-feira, março 02, 2011

ALGUMAS PALAVRAS ACERCA DA CAÇA, DOS CAÇADORES, ETC.



ANDRÉ BRUN

ALGUMAS PALAVRAS ACERCA DA CAÇA, DOS CAÇADORES, ETC.


Há uns dias a esta parte não se encontram nas imediações da estação do Rossio senão cavalheiros com cara de ir à caça. (Rogo à revisão o favor de velar pela cedilha da ultima palavra do parágrafo antecedente a fim de evitar confusões que não estão no meu espirito.)
Em V. Exas. vendo um cavalheiro de polainas, bota grossa, levando a tiracolo um destes bornais que usam a barba toda, pela arreata um cão com bochechas em matações e suspenso do ombro um estojo de espingarda, não tenham a menor duvida: esse sujeito que passa é o Reis, o Silva ou o Costa que vai à caça. (Cautela com a cedilha.)
Aos meus leitores que nunca tenham praticado este desporto, posto em voga pelo falecido Nemrod, darei aqui rapidamente algumas indicações acerca das diferentes peças de caça e variadas maneiras de as caçar.

AVESTRUZ – O avestruz, como o seu nome indica, pertence à categoria das aves de truz. Não só a sua carne é saborosissima, como umas penas que costuma ter na parte oposta ao bico são apreciadissimas pelas senhoras que as utilizam para leques ou para as espetarem na cabeça quando vão aos “fox-trotts” da Nunciatura. O avestruz é muito fácil de caçar, pois, quando suspeita que lhe querem ir às penas e como não gosta de ver bater em ninguém, esconde a cabeça debaixo da asa. Quando ele se encontra nessa posição, o caçador, muito discretamente e sem que ele perceba, serra-lhe as patas rente ao chão com uma serra articulada.

CEGONHA – A cegonha, como V. Exas. sabem, é dotada de um bico []mente comprido e de uma predilecção especial pela melancia. Basta, pois, pôr um destes legumes nas imediações da toca onde a cegonha se encontra. O desprevenido volatil crava o bico na melancia e, quando quer depois levantar vôo, o peso do isco deslocando o centro de gravidade do sistema, impede-o de o fazer e fácil é então dar cabo da cegonha a tiro, a murro e a punhal. A melancia torna a servir, tendo-se o cuidado de tapar o buraco com massa de vidraceiro. Há piteireiros que apanham “cegonhas” formidáveis com o uso da Água de Vidago – fonte Burjacas.

PATO – O pato é de duas qualidades: o pato bravo e o pato doméstico. O pato bravo encontra-se principalmente e em quatro actos nas obras completas de Ibsen. Vive também em lagoas e pântanos e, mal vê um caçador, põe-se a voar sem olhar para trás. O pato doméstico, pelo contrário, mal se lhe diz adeus de longe, aproxima-se com um ar muito estúpido e dando ao rabo festivamente. Em vendo um quilo de arroz ou uma lata de azeitonas, vai ele próprio meter-se no forno. Por todas estas razões constitui um mistério absolutamente insondável, o facto de os discípulos de Santo Humberto se obstinarem a caçar o pato bravo em vez de tranquilamente cultivarem o doméstico. Quando um pato anda à pata, escusam de lhe oferecer um automóvel.

CARABU – Esta ave é oriunda das florestas do Brasil de Baixo. Encontra-se a miude numa modinha brasileira que diz assim:
- Ó minha Carabu
Dou-te o meu coração!
Tu és a minha paixão...
Para mim só tu,
Minha Carabu!
A sua carne tem um leve sabor a filetes de pescada com molho de tomate. Caça-se pela persuasão. Mete-se-lhe na cabeça que é uma vergonha andar por cima das árvores, que parece mal, etc. Deixa-se, por fim, agarrar à mão. É o pássaro mais estúpido da criação depois do contribuinte.

COELHO – Este bicharoco, se fosse da minha opinião, nunca se deixava esfolar. Com o pelo todo é simpático, mas depois de esfolado parece-se terrivelmente com os fetos que certos boticários têm o arrojo de expor nas montras dentro de frascos com álcool.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito Bom, Muito Bom!
H.N.