domingo, maio 03, 2009

A beleza de Pedro Moutinho - Um Copo de Sol






Ele é, talvez, a voz mais discreta dos nossos fadistas

A palavra que define a obra que Pedro Moutinho tem vindo a construir é beleza. Não vale a pena esperar desta voz aquela fundura desesperada dos grandes sofredores que por acaso cantam - Moutinho é um fadista, é possível que sofra mas que, quando não sofre, canta (tremendamente bem) na mesma. Ele é, talvez, a voz mais discreta dos nossos fadistas. Nunca exagera uma nota, toma todas as mesuras com cada sílaba. Podíamos arriscar que ele é um prodígio técnico, mas o mais certo é ser tudo instinto.
Em "Um Copo de Sol", seu terceiro disco, Moutinho arrisca fados de compositores distantes do género: vai buscar a canção homónima ao disco a Amélia Muge e "Vou-te levando em segredo", a Tiago Bettencourt e "Passo lento", a Rodrigo Leão e "Lisboa tu és assim", a Pedro Campos. Nesta última há uma melodia belíssima na guitarra, subtileza na voz, tudo manso, uma beleza que se desvela audição após audição. "Vou-te levando em segredo", que terá sido, por questões formais, a canção mais difícil de interpretar, é de uma tristeza infinda, está arranjada como um relicário, tudo preso por pinças, arranjos mínimos que acentuam a sacralidade do canto (tremendo fado-canção.) O resto são tradicionais e é aí que Moutinho está completamente à vontade, atrevendo-se a ser gaiato (em "Sem sentido") e galhofeiro (no corrido de "Colchetes d'oiro"). Para o fim, destaque-se dois fados belos e tristes: "Mais um dia" e "Quando Lisboa partir". Para quem já conhece Moutinho, avise-se que voz está mais encorpada, talvez um pouco mais "suja" ou baixa. Para quem não o conhece, fica o aviso: "Um Copo de Sol" não é um disco imediato, precisa de tempo, de audições. Porque esta beleza é esquiva, desconfiada. Há que saber esperar por ela.

Crítica do jornal Público a "Um Copo de Sol".

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