Há fenómenos extraordinários que não se explicam... ou talvez se possam. Este de que vos irei falar talvez se consiga.
Falo-vos da comemoração dos 12 anos em cartaz da peça de teatro As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos, em cena desde então no Teatro Estúdio Mário Viegas, em Lisboa. Trata-se do maior sucesso teatral de sempre em Portugal, em longevidade, digressões e público.
Como é que uma peça de teatro consegue manter, durante tanto tempo, o interesse do público, mantendo a frescura, a surpresa e a saudável "loucura", criando este enorme êxito?
Em primeiro lugar, o nome da peça. William Shakespeare é um nome por todos reconhecido mesmo para aqueles que julgam que Gil Vicente é apenas um clube de futebol. E ainda por cima, em 97 minutos, vêem-se as peças todas. E é assaz sabido que o português gosta disso. Despachar tudo no menor tempo possível. Afinal de contas, quantos de nós lerem realmente os Os Lusíadas de Camões ou os Maias do Eça de uma ponta a outra? Muito poucos eu diria. Quem teve de ler na escola estes dois "calhamaços" fê-lo com toda a certeza pelos livrinhos fininhos de capa amarela e preta da Europa-América que resume tudo e ainda nos dá umas dicas de resposta para qualquer pergunta saida num exame. Tudo no menor esforço.
Depois, claro está, o sucesso da peça deve-se a Juvenal Garcês. Homem de teatro no sangue, fundou com Mário Viegas a Companhia Teatral do Chiado sendo esta peça a melhor homenagem ao maior actor do Teatro português do século XX. Inteligente, cómica e conta com a ajuda do público. Público esse que Mário Viegas respeitava e para quem trabalhava.
Em terceiro lugar, o sucesso deve-se à sua estrutura simples. Duas entradas (e saídas) e três actores em palco que, num ritmo estonteante e figurinos diversos, transportam-nos para as diversas personagens criadas por William Shakespeare. Falas dos próprios textos de Shakespeare, improvisos e referências actuais, vão fazendo o "up-grade" na estrutura textual da peça e aproximam o novo público à mesma.
Mas como não há teatro sem actores, cabe talvez a estes a maior responsabilidade do sucesso dos 12 anos desta peça. Nestes 12 anos, as Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos contaram já com 4 elencos diferentes (neste momento tem o elenco original com que estrearam a peça em Portimão, no Algarve) mas um manteve-se estoicamente desde a primeira representação até à actual. Refiro-me a Simão Rubim, rosto mais visível e reconhecível deste enorme sucesso. O homem das mulheres desta peça.
Estou convencido que a ele se devem, pelo menos, 6 anos dos 12 em que a peça se mantém em representação. Actor versátil, dinâmico, inteligente e imprevisível, mostra durante toda a representação a alegria que é o Teatro, mantendo a critica social e política acessa, especialmente qando chega o momento do seu stand-up comedy - trinta minutos bónus de teatro em que toma conta do palco, agiganta-se e leva o público a uma viagem inesquecível ao Portugal "dos pequeninos" fazendo, com a maior inteligência, a crítica mordaz ao mundo político, económico, social, cultural e religioso do nosso país. À boa maneira, aliás, do seu primeiro Mestre - Mário Viegas.
Estes são, para mim, os 4 factores principais que justificam o êxito desta peça. Ou talvez não sejam sequer estes. Não importa. O que interessa é que esta foi mais uma aposta ganha para a Companhia Teatral do Chiado, os seus actuais directores, actores, técnicos de som e luz, cenografos, figurinistas, produtores e, acima de tudo, a prova de que o público português não dorme e ainda consegue, como noutros tempos, separar o "trigo do joio".
A todos os meus mais sinceros parabéns e o meu infinito obrigado.
1 comentário:
Meu querido Daniel,
Muito obrigado pelas palavras tão bonitas! Ainda hoje me pergunto como é que é possível: 12 anos?
Mas é muito bom fazer parte deste êxito! E é tão bom fazer rir :-)
Beijos e até logo!
Simão
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