terça-feira, outubro 07, 2008

SÓ EU SEI PORQUE NÃO FICO EM CASA

Está toda a gente muito preocupada por os homossexuais não se poderem casar - eu estou muito mais preocupado por os deputados não poderem pensar. Ao aprovar a disciplina de voto (com excepção de uma mascote da JS, que está autorizada a votar a favor da proposta e assim demonstrar a extraordinária "pluralidade" dos socialistas) numa matéria claríssima de costumes e de consciência individual como é o casamento dos homossexuais, o PS enfiou mais uma machadada na credibilidade do Parlamento e dos seus deputados. Obrigado, Alberto Martins.

A bancada parlamentar do Partido Socialista, que tanto se orgulha da sua liberdade, é assim como uma claque de futebol: o chefe manda bater palmas, eles batem palmas; o chefe manda sentar, eles sentam-se; o chefe manda levantar a mão, eles levantam a mão. Sinto até um certo embaraço por um dia ter pensado que cada deputado tinha o seu próprio cérebro e que era com ele que votava na Assembleia de República. Graças ao badalado projecto de lei do Bloco de Esquerda, o grupo parlamentar do PS teve a amabilidade de me mostrar o quanto eu estava enganado.

Por isso, pedia humildemente aos especialistas em ciência política que tivessem a caridade de esclarecer esta alma baralhada: para que raio serve, afinal, a disciplina de voto? Porque é que devemos permitir que os deputados que nós elegemos e cujos salários nós todos pagamos votem como se a única coisa que os distinguisse de um rebanho fosse a gravata? Para que é que existem 230 deputados na Assembleia da República se no momento mais nobre da sua actividade - a votação das propostas - eles não estão autorizados a decidir segundo a sua consciência? É que se cada deputado está impossibilitado de se exprimir individualmente, uns 20 tipos chegavam e sobravam para distribuir proporcionalmente os votos do País. Se a disciplina de voto é a regra, então há pelo menos 210 cabeças a mais em São Bento.

E tão grave quanto a disciplina de voto do PS é a sua justificação. Segundo Strecht Ribeiro, vice-presidente do grupo parlamentar, os socialistas não estão a votar contra o casamento dos homossexuais. Nada disso. O que eles estão é a votar contra "o oportunismo político" do Bloco de Esquerda. Ou seja, o PS acredita que a situação actual dos gays é manifestamente injusta. Mas entende que esta não é a altura certa para reparar a injustiça. Extraordinário. Nós vivemos num país onde o partido que nos governa entende que até a correcção de injustiças que não dependem de mais nada senão da aprovação de uma lei deve obedecer a um timing certo. E os oportunistas políticos são os outros, claro. Partidos destes não deviam sentar-se no Parlamento. Partidos destes deviam sentar-se nas bancadas do Estádio de Alvalade.

João Miguel Tavares, Diário de Notícias, 07 de Outubro de 2008

2 comentários:

Gustavo Rubim disse...

Fora a alusão sportinguista, que me incomoda pela ambiguidade (mas também é verdade que o slogan sportinguista tem a infelicidade de ser altamente ambíguo), acho muito bem a divulgação deste texto por todos os meios ao nosso alcance. Subscrevo-o por inteiro. Ou melhor, quase por inteiro. Ressalvo, talvez, a hipótese de não subscrever aquela linha onde se diz que o Alberto Martins deu mais uma machadada na «credibilidade do Parlamento». Por um lado, porque me parece difícil, ontologicamente, dar machadadas em coisas que não existem (os lenhadores, por exemplo, acham muito mais fácil dar machadadas em árvores do que na «credibilidade do Parlamento» - e não se lhes pode negar uma certa sensatez); por outro lado, porque será sempre difícil sequer projectar no futuro a suposta existência da «credibilidade do Parlamento», enquanto o Parlamento for a instituição e o lugar onde têm cabimento pessoas do calibre do Alberto Martins. E isto não é nenhuma novidade: era uma coisa que já se sabia mesmo antes de a referida pessoa (e respectivo calibre) chegar ao posto de presidente de um grupo parlamentar.

Anónimo disse...

Este não é o único partido a fazer isto!!! O PSD é perito nisto! Há anos!!! E as entrevistas da Nelinha Padeira Leitinho? E os seus casamentos para procriar? Este artigo parece muito mal neste blogue... É fácil dizer mal dos da oposição. Mas é preciso ter coragem e muita inteligêbncia para dizer mal daqueles em que se vota!

Beijos do sempre amigo

Simão :-)