domingo, maio 18, 2008

Camané no Coliseu dos Recreios de Lisboa



Camané apresentou-se dia 16 de Maio no Coliseu dos Recreios de Lisboa. Sala esgotada. Dez minutos de atraso, mais coisa menos coisa. Luzes apagadas. Uma voz agressiva lembra aos menos educados ou menos cívicos que devem desligar os telemóveis e que não se pode fotografar ou gravar o espectáculo.

Saem os primeiros sons de guitarra... uma luz acende e Camané, sentado numa cadeira, de lado, começa com um incrivelmente belo e arrepiante Sei de um Rio, de Pedro Homem de Mello, a música jóia da coroa do novo álbum "Sempre de mim".

O resto, foi um desfilar emocionante e de rara beleza de 30 músicas, ou mais, non-stop.

Camané foi grande o suficiente para encantar, deslumbrar ou emocionar o Coliseu dos Recreios de Lisboa.

Com uma voz melhor que nunca, amadurecida e com belíssimas variações, Camané cantou alguns temas do novo álbum e grandes sucessos - como se constatou nos diversos encores - dos discos anteriores.

Qualquer tentativa que tenha em descrever o concerto ou qualquer tentativa que possa fazer para transmitir as emocões vividas em noite tão especial, ficarão sempre aquem da realidade.

Camané provou, numa sala que se sabe dificil, com um público indisciplinadissimo - num constante sai e entra, velhotas perdidas nos tapetes vermelhos do Coliseu, pessoas a quem a voz agressiva do início não meteu medo, mexendo nos telemóveis o tempo inteiro, até aos mal educadissimos operadores de câmara e fotografos que teimam em incomodar quem pagou (e convenhamos que não se pagou pouco) um bilhete para um espectáculo que não merece distracções - Camané, dizia, provou que nasceu para grandes vôos e que é, sem qualquer tipo de dúvida, a grande voz e a grande referência do Fado actualmente.
Humilde na sua maneira de ser, Camané quase pediu desculpa por um Fado que iria cantar e que não era seu. Percebe-se que não gosta de cantar o que já antes havia sido cantado por outros e, principalmente, quando os outros eram Amália Rodrigues. Mas fê-lo... e com muita autoridade. Falo de Asas Fechadas, Fado emblemático do não menos emblemático álbum Busto de Amália. E que extraordinária interpretação.

A comprovar a excelência do fadista e dos fados que interpreta estão, claro está, as inúmeras pessoas ligadas à música que compareceram no Coliseu: Aldina Duarte (que iluminou com o seu belissimo sorriso a sala), Celeste Rodrigues, Carlos do Carmo, Sérgio Godinho (que escreve uma letra bem ao seu estilo no novo álbum do Camané), os irmãos Pedro e Helder Moutinho, Rodrigo Costa Felix, entre outros.

Trapalhão na fala mas grandioso na postura, Camané, acompanhado pelo trio fantástico de José Manuel Neto – guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença – viola, Paulo Paz – contrabaixo e como convidado especial - Carlos Bica, dominaram por completo o palco, a alma e o coração de quem lá esteve, viu e ouviu. Espera-se mais, muitos mais concertos brevemente.
José Daniel Ferreira
"O Coliseu é feito de fado e Camané é o seu senhor
Quando Camané dedica palavras ao seu público, sem o acompanhamento de violas e guitarras, multiplica-se em agradecimentos e deixa explicações sobre os fados que canta. Mas cedo se perde entre os nervos que as canções afastam. Este é o senhor fado que nasceu para contar histórias de miseráveis apaixonados e infelizes boémios elevando a voz, tornando maior que tudo o que, no momento, a rodeia. E fá-lo com uma invejável expressão de contentamento. A noite de sexta-feira fica documentada como a sua estreia em nome próprio no Coliseu dos Recreios. Mas quando canta, juramos que a história e a tradição da sala também lhe pertencem.
O novo Sempre de Mim é ainda disco em crescimento junto de quem o ouve. Mas certezas como esta não pedem por muito tempo para se revelarem: esta é a poesia que melhor serve a tradição fadista que Camané apregoa. E o fadista fá-lo hoje melhor que nunca. Começa sentado, longe das luzes. Canta "sei de um rio onde a própria mentira tem o sabor da verdade" e contorce-se a cada palavra que Pedro Homem de Mello parece ter-lhe dedicado. Volta sempre a Alfredo Marceneiro e mesmo ali regressa à infância, quando escutou quem hoje ainda o acompanha. Fernando Pessoa e David Mourão-Ferreira ecoam pelo Coliseu como poucas vezes até aqui. Lembremos então Amália, que Camané recorda, tímido, em Asas Fechadas. A modéstia serve-lhe a elegância mas sabe vestir a canção como só o próprio poderia.
Camané fez-se fadista para o demonstrar em público. De mão no bolso e fato escolhido ao pormenor. Reservando espaço para quem lhe dá o suporte musical (nesta noite com Carlos Bica como convidado especial) e entregando-se. Na resposta, o Coliseu pediu-lhe quatro encores, aclamou-o e soltou típicos "bravos" ou uns menos ortodoxos "és lindo". Camané sorriu e respondeu que sim."
Crítica de dia 18 de Maio - Diário de Notícias - Tiago Pereira e Tiago Lourenço

1 comentário:

com senso disse...

Acabei de ver o espectáculo pelos seus olhos e fiquei com imensa pena de não poder lá ter ido.
Obrigado pela partilha destes momentos de arte.
Abraço.