sexta-feira, abril 06, 2007

A Extraordinária Arte de (Saber) Representar


Não se tem "Dúvida" alguma que este se trata de um enorme texto. Fala de tabús, da moralidade e do dever versus a realidade (normalmente dura, cruel, onde há subjugadores e subjugados, fortes e fracos, os que têm e podem e os que não têm e não podem.
Texto profundo, limpo do acessório, irónico e central.
A encenação de Ana Luísa Guimarães é muito bem conseguida, linear, contida, nada pretensiosa.
O cenário é muito bom, claustrófico q.b., fechado e em cunha, mas sempre iluminado com um feixe de luz... Deus?
Como referiu o Fernando D., para o Teatro só são necessárias duas coisas: as palavras do autor e o corpo do actor. Concordo.
Quanto às palavras não há a menor "Dúvida" de que se está perante um grande texto - vencedor do prémio Pulitzer 2005". E quanto aos actores?
A Eunice Muñoz dá uma grande lição da arte de representar naquele palco do Maria Matos. De uma força impressionante, irónia e com imenso sentido de humor, Eunice Muñoz é uma lição viva do que deve ser o ofício da representação e interpretação, de como se está num palco, a forma de dizer as palavras, de mexer corpo. Uma vivacidade comovente que nos convençe, a cada segundo, de que ainda muito tem para oferecer aos palcos portugueses. Chegou mesmo a ser presenteada com uma ovação no final de umas das cenas, tal foi o seu brilhantismo.
O mesmo, infelizmente, não se pode dizer relativamente ao Diogo Infante. A sua representação foi muito mediocre, sem a força e a subtileza que a personagem exigia. Sempre no mesmo tom, com uma voz colocada que não lembra a ninguém, não conseguiu transmitir qualquer tipo de sentimento ou reacção, chegando mesmo ao ponto de ser aborrecido nas "homilias" pregadas.
Isabel Abreu interpretou uma noviça altamente convincente e segura.
Lucília Raimundo, com um papel curto e extremamente interessante, protagoniza uma das cenas fulcrais e perturbantes da história. Contudo, o que tinha tudo para ser um dos momentos altos - devido ao tema em conversa e ao ponto de vista e de realidade da personagem por ela interpretada - não o foi. Lucília Raimundo aparece frouxa e desmaiada, sem dar a pujança que a defesa dos seus argumentos exigia.
Resumindo, estamos perante um excelente texto e duas representações - uma soberba, outra bem feita - que merecem a visita ao Teatro Maria Matos.
O último senão da noite veio com os agradecimentos. Por uma questão de respeito e consideração, quando se tem uma grande actriz - com uma longa e reconhecida carreira - o mínimo que se deve fazer é deixá-la chegar sozinha ao palco para agradecer. Tal não aconteceu com a Eunice Muñoz. Na primeira entrada para os agradecimentos a Eunice deveria, no início ou no fim da entrada do restanto elenco, comparecer no palco sozinha. Tive a perfeita consciência que a grande maioria das palmas destinavam-se, de facto, a homenagear a Eunice. Foram altamente merecidas, embora divididas pelos restantes três elementos.
Vá ao Teatro...
E uma última pergunta: Por que é que já não se usam as pancadas de Molière?

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