domingo, abril 22, 2007

As Vampiras Lésbicas de Sodoma no "Aplauso Brasil"

Imagens do Primeiro Aniversário da Estreia da Peça As Vampiras Lésbicas de Sodoma

No APLAUSO BRASIL - uma das mais importantes edições culturais da América do Sul - saiu uma critica ao espectáculo AS VAMPIRAS LÉSBICAS DE SODOMA, escrita por Michel Fernandes (mailto:michelfernandes@superig.com.br), um dos críticos de teatro mais respeitados do Brasil.

De seguida transcreve-se, no original, o texto da crítica editado em Aplauso Brasil


"Michel Fernandes, "Vedetismo é satirizado pela Cia Teatral do Chiado"

LISBOA – Quais os limites entre o ego e a imortalidade? Para os ególatras a imortalidade é o objetivo, para o autor e ator Charles Buch, a imortalidade é um dos itens de que se serviu para escrever “As Vampiras Lésbicas de Sodoma”, que a Companhia Teatral do Chiado apresenta, há quase um ano, sempre com casa lotada, no Teatro-Estúdio Mário Viegas.

As “Vampiras Lésbicas”, protagonistas da trama, são duas vedetes que se alimentam do sangue de virgens e da glória dos palcos e são alimento cômico a esta sátira.

Rita Lello vive uma virgem que é deixada na cripta do terrível monstro Sucubo, uma vampira lésbica interpretada pelo divertido ator Simão Rubim, que se alimenta, apenas, sugando o sangue de donzelas que ainda desconhecem os prazeres da carne. Este prólogo se passa na bíblica Sodoma. Os Guardas Hujar (João Carracedo) e Ali (Tobias Monteiro) são os carrascos que trouxeram e prendem a virgem até o despertar do Terrível Monstro Sucubo (substantivo que nomeia a vampira e que acaba por servir de elemento cômico, já que a Virgem não consegue falar o nome, sequer uma vez, corretamente). A Virgem tenta seduzir os soldados para perder o que lhe faz presa do Monstro Sucubo, a virgindade, mas não consegue.

Dividido em dois atos e um prólogo, sem, no entanto, haver intervalos, a mudança de atos – e períodos em que transcorre a trama, já que a imortalidade lhes é consagrada pelo vampirismo – ocorre pelo fechar e abrir cortinas e uma música que se ouve enquanto as cortinas não são abertas e há uma mudança de cenários nos bastidores.

Como se nota pela descrição, o encenador Juvenal Garcês foge de efeitos mirabolantes, focalizando seu interesse no desempenho do elenco. E alcança êxito cumprindo seus objetivos. Não tardam a ouvirem-se constantes gargalhadas e, até, aplausos em cena aberta.

O primeiro ato transcorre aproximadamente entre as glamourosas décadas de 1950 e 1970 (início) – segundo informações, é uma referência à época de ouro do Parque Mayer, espécie de mini-Broadway lisboeta – e traz em cena a glamourosa La Condessa (o ótimo ator Simão Rubim, O Monstro Sucubo, tornado vedete).

É um dia agitado em que La Condessa receberá a importante jornalista Gabriela Viperina (Manuel Mendes) e, enquanto se prepara, recebe a visita de Idalina de Jesus de Oliveira (Tobias Monteiro, agora na pele duma grã-fina sem medo de fazer o necessário para atingir seus objetivos), admiradora e afilhada pela Condessa para o mundo da fama, que traz a tira-a-colo seu noivo, Gastão (João Carracedo), com quem não cansa de brigar e chamar de “parvalhão”.

Pra apimentar o dia, La Condessa recebe a inesperada visita da ex-virgenzinha, agora, Madalena Astarté (Rita Lello), uma famosa atriz francesa contratada por Vasco Morgado (referência a um antigo e importante produtor de teatro e cinema), que deseja roubar o pedestal da glória de La Condessa para si, e revela que, ao ser mordida, em Sodoma, pelo Monstro Sucubo, também mordeu suas veias e sugou sua imortalidade e desejo frenético pela fama e sucesso no showbiz.

Chega enfim a enigmática Gabriela Viperina, mas deixo ao sabor do público desvendar. Nesta primeira parte cabe, entretanto, destacar o ator João Craveiro e suas sutis transformações de sóbrio mordomo a uma desvairada transformista.

Aliás, o transformismo é a fórmula utilizada por Buch, o autor, para tratar de maneira divertida os assuntos de suas peças. E não é só o transformismo, é a afetação com que as personagens são interpretadas, uma afetação própria das divas, ou melhor, das aspirantes a divas, mas que, na verdade, não conseguem a imortalidade do estrelato. A Não ser sanguessugas como as personagens vividas por Simão Rubim e Rita Lello.

Numa espécie de metalinguagem, Dorival, assistente de palco brasileiro, afeminadíssimo, numa composição inesquecível e muito engraçada do ator João Craveiro, a cena ocorre na cidade do Porto, nos dias atuais, nos bastidores de um teatro que tenta montar um musical – aqui vale a nota de que o Porto tenta, sem êxito, montar e emplacar um musical.

Garcês não tem pudores nem melindres, o encenador – que traz um colorido que recorda Pedro Almodóvar – faz piada com os musicais – que não estão em evidencia só no Brasil – e com a afetação disparatada das “damas do showbiz”.

E, nesta parte da trama, a tal virgenzinha inocente de Sodoma é a poderosa Madalane Andrade, estrela dos musicais. Ela contrata Mariza, uma atriz muito burra, com sotaque estridente e com um currículo lastimável.

Tobias Monteiro dá vida à Mariza com tamanha verdade e simpatia que arranca muitas gargalhadas e cria grande empatia com o público.

Apesar das tentativas de Madalane, Mariza não consegue acertar e a mulher da limpeza, na verdade o estado em que se encontra o Monstro Sucubo (Simão Rubim), ajuda, com sua hábil e imperceptível a Mariza, fazer com que a crônica burrice da moça se torne insustentável para Madalane.

O jeito é as duas unirem sua gana pelo sucesso. Elas, Lello e Rubim, decidem fazer um show à la Velma Kelly e Roxie Heart, do musical “Chicago”. Mas, ao invés de um show protagonizado por duas pistoleiras, esse será protagonizado pel’ “As Vampiras Lésbicas de Sodoma”.

P.S. “As Vampiras Lésbicas de Sodoma” acaba de ser indicada ao Globo de Ouro, prêmio de significativa importância em Portugal, na categoria de Melhor Espetáculo, o que dá ao espetáculo merecido reconhecimento e comprova que o corpo de jurados do prêmio não é preconceituoso em relação à comédias.

[Nota: Respeitou-se na íntegra a redacção da crítica escrita nas normas ortográficas do Brasil]"

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