sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Deficientes ficam à porta de monumentos nacionais


"Os deficientes não entram." José Angelo, 49 anos, 20 dos quais tetraplégico, nem queria acreditar quando um funcionário lhe quis negar o acesso ao Palácio da Pena, em Sintra. Motivo: "O edifício não está preparado para cadeiras de rodas." Ali perto, no Palácio nacional da Vila, disseram-lhe, a seguir, a mesma coisa, tal como no Palácio nacional de Mafra, onde estivera antes.

José Angelo, residente em Coimbra, casado, pai de uma filha de nove anos, depressa concluiu que ficará sempre à porta da maior parte dos monumentos nacionais geridos pelo Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar). Elísio Summavielle, em declarações ao DN, admite que esta foi a situação encontrada há um ano quando assumiu a presidência desta entidade. Mas, garante, "a realidade vai mudar".

Foi um fim de semana "triste" para José Angelo e para a esposa, Maria João, de 39 anos, que com um grupo de amigos de Coimbra quiseram "sair para fora cá dentro" no período de carnaval. Aquele Palácio da Pena, expressão máxima do romantismo aplicado ao património no século XIX, ficará em má memória. Os serviços de turismo de Sintra haviam dito a Maria João que, em vez de levar o carro para o centro da vila, poderia usar o comboio turístico que os transportaria até ao monumento.

Até aqui tudo correu conforme o planeado. O problema surgiu ao chegarem ao palácio. Os funcionários disseram que José não podia entrar. Justificaram que havia muitas escadas, e que o edifício não se encontrava preparado para pessoas com deficiência em cadeira de rodas. "A sua entrada empataria os restantes visitantes", ouviu. Os amigos juntaram-se e garantiram que pegariam na cadeira com José, à força de braços, sempre que fosse necessário subir e descer escadas. A permissão, "em jeito de favor", surgiu com a justificação de que "há pouco movimento".

A indignação impediu José e Maria João de apreciarem aquele repositório de épocas, estilos e gostos, deixando lavrado um protesto numa folha A4, porque nem livro de re- clamações ali havia. O mesmo protesto deixaram escrito, depois, no Palácio Nacional de Sintra, onde funcionários "bem mais simpáticos" lamentaram a falta de rampas para cadeiras de rodas.

Visitas impossíveis

O DN, sem se identificar, contactou os serviços deste palácio dizendo que pretendia agendar uma visita para pessoas em cadeiras de rodas. Um funcionário respondeu que "seria impossível", atendendo às condições do edifício, e aconselhou uma visita ao Palácio de Queluz. Usando o mesmo argumento, foi contactado o Convento de Cristo, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, a Estação Arqueológica de Miróbriga, o Panteão Nacional, e outros, constituindo a maioria dos pertencentes do Ippar. Todos lamentaram não ter condições para cidadãos em cadeiras de rodas.

Guedes da Fonte, de 65 anos, da Associação de Deficientes das Forças Armadas, lamenta não poder assistir aos "belos" concertos no Convento de Mafra, onde José e Maria João também lavraram um protesto. As 48 escadas do edifício são catastróficas.

Maria de Lurdes Afonso, da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), na secção da Amadora, já só queria uma rampa no Centro de Saúde da Venda Nova. Para esta tesoureira da APD, o acesso à cultura é importante, mas gostaria mais de ter acessível, por exemplo, o Notário do Centro Comercial Babilónia, na Amadora. Espero que o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos (que hoje se assinala) não seja uma mentira como foi o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência", disse Maria de Lurdes. O DN tentou falar com a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores, mas nenhum responsável esteve contactável.


in, Diário de Notícias, 23 Fevereiro 2007

2 comentários:

Aldina Duarte disse...

Deficientes não saem de casa porque não têm elevadores!!!

Até sempre!

Anónimo disse...

Infelizmente, os deficientes ficam á porta de tudo!...