terça-feira, outubro 03, 2006

(Foto: "As Vampiras Lésbicas de Sodoma" - Teatro-Estúdio Mário Viegas)

Poema intitulado "VAMPIRO" de Jorge de Sena

Ouço os gatos brincar. Saltam, perseguem-se.
Da rua, cuja noite um automóvel corta,
Chegaram-me risos, vozear distante.
Mais longe some-se o rodar de um eléctrico.
Tremem-me as mãos só de lembrar que pude
abandonar-te ao teu desejo agudo,
quando tão junto ao meu o contiveste,
julgando que submisso eu te seguia.
Tremem-me as mãos, as coisas me são estranhas,
algo me agarra pela nuca e me arrebata
por sibilantes portas sucessivas
de que ouço os gonzos respirar-me a vida.
Os gatos brincam? Outro carro passa?
Outros regressam? Viram-te? Tiveram-te?
Sou eu quem está dentro de ti com eles?
Num vácuo de escamas luzidias,
o sono plumbeo me rodeia, ataca
por ondas silenciosas e concentricas.
Como na morte dormirei, e digerindo
o sangue puro que te não bebi.

9/12/1950

1 comentário:

Aldina Duarte disse...

A morte é também uma má digestão do sangue!?

Até sempre