Auschwitz mudou de nome
João Miguel Tavares
O campo de concentração de Auschwitz mudou de nome. Desde a semana passada passou a chamar-se - convém encher os pulmões - Antigo Campo Nazi Alemão de Concentração e Extermínio em Auschwitz- -Birkenau. O baptismo quilométrico foi abençoado pela UNESCO, a partir de uma proposta da delegação polaca, que bateu à porta da instituição munida deste notável argumento: convém não confundir a cabecinha das novas gerações e explicar-lhes que a Polónia nada teve a haver com a criação ou o funcionamento do campo. Daí o "nazi". Daí o "alemão". Daí a cirúrgica substituição de artigos: não já "de Auschwitz" mas "em Auschwitz".
Tanta subtileza seria comovente não fosse o facto ela traduzir mais uma vez a péssima relação que o ocidente tem com a sua história e os seus valores - para o bem e para o mal. Não só a Europa se perde, sobretudo no conflito com o fundamentalismo islâmico, em relativismos sem sentido que desvalorizam aquilo que foram as conquistas civilizacionais de que mais se pode orgulhar, como agora, neste pequeno desvario semântico, dá mostras de recusar assumir o Holocausto como uma tragédia e uma barbárie profundamente europeias. Certamente que a Shoah é um produto do nazismo e de condições políticas muito particulares da Alemanha dos anos 30 e 40, mas o massacre de milhões de judeus compromete todo o ocidente, enquanto civilização - e é isso que a proposta da delegação polaca parece querer fazer esquecer.
Esta ideia de que Auschwitz foi um antigo-campo-nazi-alemão-onde-morreram-1,5 milhões-de-pessoas-mas-nós-não-tivemos-nada-a-ver-com-isso é uma deriva muito politicamente correcta, que acaba por branquear a dimensão do maior crime do século XX. Os polacos não tiveram nada a ver com o Holocausto? As novas gerações de alemães também não. Enquanto expoente do mal, o Holocausto é de todos e de ninguém. Que um organismo como a UNESCO, que tem como missão velar pelo património da humanidade, dê o seu aval a uma proposta amnésica, eis um triste sintoma de excesso de burocracia e de falta de memória colectiva.
João Miguel Tavares
O campo de concentração de Auschwitz mudou de nome. Desde a semana passada passou a chamar-se - convém encher os pulmões - Antigo Campo Nazi Alemão de Concentração e Extermínio em Auschwitz- -Birkenau. O baptismo quilométrico foi abençoado pela UNESCO, a partir de uma proposta da delegação polaca, que bateu à porta da instituição munida deste notável argumento: convém não confundir a cabecinha das novas gerações e explicar-lhes que a Polónia nada teve a haver com a criação ou o funcionamento do campo. Daí o "nazi". Daí o "alemão". Daí a cirúrgica substituição de artigos: não já "de Auschwitz" mas "em Auschwitz".
Tanta subtileza seria comovente não fosse o facto ela traduzir mais uma vez a péssima relação que o ocidente tem com a sua história e os seus valores - para o bem e para o mal. Não só a Europa se perde, sobretudo no conflito com o fundamentalismo islâmico, em relativismos sem sentido que desvalorizam aquilo que foram as conquistas civilizacionais de que mais se pode orgulhar, como agora, neste pequeno desvario semântico, dá mostras de recusar assumir o Holocausto como uma tragédia e uma barbárie profundamente europeias. Certamente que a Shoah é um produto do nazismo e de condições políticas muito particulares da Alemanha dos anos 30 e 40, mas o massacre de milhões de judeus compromete todo o ocidente, enquanto civilização - e é isso que a proposta da delegação polaca parece querer fazer esquecer.
Esta ideia de que Auschwitz foi um antigo-campo-nazi-alemão-onde-morreram-1,5 milhões-de-pessoas-mas-nós-não-tivemos-nada-a-ver-com-isso é uma deriva muito politicamente correcta, que acaba por branquear a dimensão do maior crime do século XX. Os polacos não tiveram nada a ver com o Holocausto? As novas gerações de alemães também não. Enquanto expoente do mal, o Holocausto é de todos e de ninguém. Que um organismo como a UNESCO, que tem como missão velar pelo património da humanidade, dê o seu aval a uma proposta amnésica, eis um triste sintoma de excesso de burocracia e de falta de memória colectiva.
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