quarta-feira, março 22, 2006



Quinta-feira passada voltei ao Teatro Nacional D. Maria II para ver e OUVIR a actriz Lia Gama. Bonita, mantendo o seu sorriso lindo, quase ingénuo, desfilando um rol de belas canções "antigas", com uma graça e um encanto raros num artista.
Lia mostrou que (man)tem voz (para aqueles que não o sabiam ou que não haviam visto o "Kilas"), a sensualidade de sempre e o amor ao palco.
Pena e CHOCANTE é que num Teatro Nacional acontecam gralhas (para não chamar ignorância, estupidez, burrice, idiotice, falta de atenção, etc) GRAVES, como a que Cândida Vieira - concepção e direcção do espectáculo - refere no seu [inteligente] texto.
E passo a transcrever: "Almada Negreiros dizia que "as palavras já estão gastas". Afirmação drástica a que a escrita..... blá blá blá blá blá blá.
Alguém reparou na asneira? Não vos soou nada de estranho.
Minha querida e fofinha Cândida Vieira. Com um curriculum tão extenso e interessante diz uma coisa destas? Coitado do Eugénio de Andrade, merecia melhor sorte. "Adeus" é um poema - FANTÁSTICO - de Eugénio de Andrade, e cantado - caso não lhe apeteca ler - por Simone de Oliveira.
Fica aqui o reparo.... e o poema
ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

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