segunda-feira, outubro 31, 2005


Quinta-feira, dia 27 de Outubro, fui visitar o mais belo jazigo cultural de Portugal, que se encontrava de portas abertas para receber o primeiro de dois concertos da fadista Mísia. Falo pois do Teatro Nacional D. Maria II, que tem como coveiro principal António Lagarto.
Confesso que desconhecia, de todo, o trabalho de Mísia. Fui ver o espectáculo porque, primeiro, sou um grande apaixonado por fado e por poesia. Depois, porque sabia que ia estar presente a bela e sofisticada actriz francesa Fanny Ardant. E, por último, porque ninguém fica indeferente a Mísia, mais não seja pela sua figura "exótica" e fora do comum.
Cheguei a horas e, primeira das surpresas, fiquei surpreendido pela quantidade de caras famosas e famosinhas que lá se encontravam. Carrilho e Bárbara, Francisco Louça, caras do PS, Eduardo Prado Coelho, Fernanda Lapa e Fernanda Montemor, Ana de Sousa Dias, Maria João Seixas, Lurdes Norberto, Lia Gama, o grande poeta (ah, ah, ah) Tito Livio, Celeste Rodrigues e muitas outras caras que de momento não me recordo.
Pensei cá para comigo - "Bolas, que a Mísia deve ser mesmo muito boa... tanta gente, não é costume."
Entrei na sala. Lá estava a Sala Garrett com a sua mediana opulência e o seu cheirinho a mofo. Acenos para ali, beijinhos para acolá, todos se foram acomodando na plateia e nos camarotes. A sala estava composta.
Com um atraso algo longo, os músicos entram no palco onde uma tela projectava uma imagem fixa de uma cama com um telefone vermelho por cima da colcha. Estavamos num quarto de hotel.
Da afinação, um a um, dos instrumentos, começa a sair a primeira melodia da noite. E eis que entra Mísia, bonita, vestindo uma saia-casaco negro.
Quando estava prestes a bater palmas pela sua entrada, eis que não se ouve nada... nem uma palminha, nem um cochicho.... nada. Ter entrado ou não em palco era a mesmíssima coisa. Foi a segunda surpresa da noite.
Confesso que acho que nem ouvi bem a primeira música. Fiquei a matutar naquilo. Então mas que raio. Entra uma artista em palco e nem um espirro se ouve. Fiquei incomodado e gelado.
Mas as músicas e as conversas foram-se desenrolando e passando e eu abismado com a capacidade vocal de Mísia, o seu sentido de humor, a sua beleza em palco. Fados, boleros, tangos, foi tudo quanto se ouviu no concerto.
Como prelúdio de cada música, Mísia contava uma pequena história sobre o hóspede do "Drama Box Hotel", e como era o seu quarto. Um mimo.
Após duas músicas, Mísia anuncia Fanny Ardant. Eu nem coloquei as mãos a jeito para a saudar, como havia feito quando a fadista entrou em palco. Surpresa número três.... eis que a sala em peso começa toda numa histeria de palmas e de bravos. Pensei, novamente, para mim - "Mas que raio, esta gente tá parva? Quer dizer, entra-me a artista principal em palco e ninguém mexe uma palha; entra uma artista convidada (que podia ser a Ardant como outra qualquer) e desata tudo aos bravos". Só depois entendi. A sala estava inundada de cagões e projectos a cagões. Que estupidez a minha. Então não haviam de bater palmas a uma actriz francesa, de França, que vem declamar um poema de Vasco Graça Moura e ainda por cima no Teatro Nacional D. Maria II. Até parecia mal.
Enfim... ainda sou muito ingénuo nestas coisas.
A pequena declamou, lá se foi embora e instalou-se no camarote em frente ao do Carrilho. O que a Mísia faz para obrigar a Ardant a não tirar os olhos do palco... se olhasse em frente via o Carrilho, para baixo via o Eduardo Prado Coelho e a Maria João Seixas, ao lado o Tito Livio... perante tal horror, só restava mesmo à Fanny olhar para o palco.
E o concerto lá continou. Espantoso, cheio de surpresas. Eu cada vez mais boquiaberto pelo "vozeirão" de Mísia e a excelência dos músicos.
O mesmo termina com o "Lágrima", de Amália Rodrigues, que Mísia diz ser o seu "fado fetish". Como eu a entendo.
As pessoas lá se levantaram, soltaram-se e bateram muitas palmas com alguns timidos bravos.
Conclusão do espectáculo: - Fados no Teatro Nacional, nunca mais. Ou é pelo "peso" da casa e de tudo o que ela representa ou é pelo público que lá vai, gelado, armados em parvos intelectuais e elitistas. Acho que por tudo isto o concerto não resultou como deveria ter resultado.
Em relação a Mísia, foi uma surpresa agradável. Adorei a postura e a voz. Adorei os seus boleros e os seus tangos. Se estivessemos 50 anos atrás no tempo e em Espanha, não teria existido Sarita Montiel mas sim a Mísia Montiel ou Sarita Mísia. Agora, em relação ao Fado, confesso que não fiquei fã. Não me emocionaram nem me tocaram de qualquer forma. O porquê, não sei. A Mísia tem voz e postura. Os poemas, na sua maioria, são excelentes. Terei que ir vê-la de novo, com outro público e noutra casa. Só aí direi, realmente, se gosto ou não dela como fadista... para já, fica o benificio da dúvida.

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