sexta-feira, setembro 09, 2005


Mariana: dar o máximo na hora exacta
Mariana Rey Monteiro: a mulher e a actriz para além das distinções atribuídas pelos criticos. Diante de si e do advento "de uma renovação no mundo inteiro". Sobretudo com grande força de vontade. Disposta a continuar. Aqui
Considerada pelos críticos teatrais a melhor actriz da temporada pelo seu trabalho em "Filomena Marturano". Mas já não é esse o verdadeiro "timing" da entrevista. Os críticos pronunciaram-se há um mês. Mariana Rey Monteiro - para além de os eminentes a reconhecerem, na actualidade, como uma das actrizes de primeira grandeza - percorreu pelos palcos uma longa trajectória, estudando enredos e ficções, acumulando uma experiência de artista e mulher que justificam, a todo o momento, ouvi-la. De preferência pontualmente, levando-a para as zonas de maior embaraço.
Possivelmente, não haverá em Portugal muitos encenadores à altura (estatura) dela.
Misteriosa. Subtil. Excelente jogadora (de ideias e palavras). Desconcertante, por vezes. Afável, depois.
Pelos vistos, robustecida interiormente, contou-nos quase num repente uma imensidade de evidências (que a tanta gente escapam) e de preocupações (suas e dos outros).
Pensa que é complicada. Não teme nem hesita em dizê-lo. Porém, não é difícil saquear-lhe o que de mais humano (e humanista) guarda em si.
Insistimos, apesar de acontecimento passado, em "Filomena Marturano". O que tinha aquela personagem dentro de Mariana Rey Monteiro? A resposta surge pronta, a desmanchar, facilmente, os mitos:
Pessoalmente nada tenho a ver com tal personagem. Um dos interesses da nossa profissão é saber como nos mostrar fora de nós próprios.
O que acha que as pessoas pensam dela?
Não faço a mínima ideia - replica - Como tenho uma péssima opinião de mim própria, desejaria saber como suscitar de pessoas os comentários mais favoráveis. Sinto-me, constantemente, vitima de muitos motivos de dúvida e calcanhares de fraqueza. Concretamente: não me vejo realizada, nem como actriz nem pessoalmente. Gostaria que o que sai de mim fosse melhor. E daí a insatisfação.
Angústia? - saímos ao atalho, afrontando, porventura, o seu depoimento.
Angústia, não. Tenho a percepção clarividente e total das minhas próprias fraquezas. E sei o que amaria conseguir. Tenho a ansia da perfeição e nunca o receio da minha personalidade. Da qual não pretendo mudar.
Salta-nos à ideia a imagem de artistas e cientistas que para buscarem mais rapidamente a perfeição (ou a especialização) vão temporariamente para o estrangeiro ou emigram mesmo. Confrontámos Mariana Rey Monteiro com a hipótese.
O êxodo? Com a família a acompanhar? Para quê? Aqui, na nossa terra, também podemos encontrar a perfeição. Nem na China eu seria capaz de fugir de mim própria. A não ser, claro, nas horas de palco, em que sucede a evasão.
O que é ser actor e ser cidadão em Portugal?
Mariana sorri, ante a questão dupla. Reage, contudo, ao primeiro assalto:
Na parte profissional, é conseguir oferecer ao publico uma, pelo menos, destas três coisas: cultivar-se, distrair-se, pensar. Na parte pessoal é suavizar o sofrimento e as carências do próximo.
A nivel social, que caminhos Portugal vai levar?
Gostaria de ser Deus para responder a isso - afirma.
Depois do laconismo, a pausa. E retoma. Confessa que "como as outras pessoas" tem montes de projectos para o futuro. "A maior parte deles vive e morre connosco" - e contrai-se, num encolher de ombros. Prossegue: No âmbito nacional, aconteceram, na ultima década, fenómenos interessantes. A criação da Companhia Nacional de Bailado. O arranque de grupos de teatro independentes com espectáculos importantes.
O que é para Mariana Rey Monteiro um espectáculo importante?
É todo aquele - expõe - que consegue os objectivos que indiquei para o actor, aquele que consegue montar uma boa encenação e uma boa interpretação. E que constitua coisa séria e, sobretudo, digna de respeito pelo que põe em prática.
Crise por crise, na sociedade nas épocas. E a entrevistada fala-nos, adiante, de uma crise internacional, em que se insere a convulsão para um estado de espírito menos agradável, mais preocupante. Penso - diz Mariana - que uma qualquer era está a chegar ao fim, constituindo o advento de uma renovação no mundo inteiro. Há crises cíclicas na História da Humanidade e atravessamos, agora, uma fase de mudança.
Mariana Rey Monteiro disserta, por avanço, sobre "a dificuldade de um actor ver, em Portugal, os seus frutos colhidos".
O teatro está na mesma proporção da riqueza de um país e o nosso é pobre. Por sua vez o publico conhece o teatro especialmente pelo teatro de revista (e sublinho, no entanto, que quem elabora um bom teatro de revista é bom artista). Tadavia, existe outro tipo de teatro mais profundo, ainda acessível apenas a sectores minoritários. As crianças sabem as horas dos programas da TV, mas ignoram quase totalmente (por culpa dos pais) o teatro, que é um sitio com cadeiras e um palco onde se vai passar alguma coisa ao vivo.
Contudo, a cavaqueira deu para muito mais. A actriz explicou-nos que não gosta de fazer teatro na televisão, para não se sentir "mecanizada".
O encanto da minha profissão é estar na hora exacta a dar o máximo sem poder voltar para trás - opinou.
Que pensa Mariana do Teatro Nacional?
Desde o incêndio nunca mais lá fui. Não sei como funciona, nem sequer como está construído.
Acrescentou, em mudanças de tema, que não é "nada supersticiosa. Nove netos já me chegam para tornar tudo bem real".
Por isso, não sendo supersticiosa, e imaginando-a num lado oposto, quisémos saber, de sua opinião em que pode a ciência constribuir para o teatro.
Com o estudo permanente - impõe -, nunca se acaba de aprender. A profissão tem ainda muitas buscas a fazer com base na leitura, na encenação, nos ensinamentos que cada encenador novo nos traz.
Parece-lhe existir, com alguma representatividade, um verdadeiro teatro de vanguarda?
Sim. O teatro de pesquisa.
Gostaria de participar nele?
Gostaria de passar por todas as experiências no campo do teatro.
E, depois, qual escolheria?
Só no momento adequado é que lhe poderia revelar.
Que influência teve a figura de sua mãe (Amélia Rey Colaço) na sua formação artística?
Não se esqueça de escrever que a minha resposta, neste caso, é muito suspeita. Mas como quer que lhe fale da minha mãe, dir-lhe-ei que é uma mulher extraordinária, superiormente inteligente e que se tivesse sido actriz na Alemanha, na Inglaterra ou na América não seria ignorada em qualquer canto do globo. Estou a dizer-lhe isto numa perspectiva em relação à minha mãe em que incluo aspectos de como actriz e como mulher também...
Que pensa das mulheres deste país?
Penso que as mulheres portuguesas são umas heroínas. Pelo menos no círculo em que me encontro, verifico como tanto as minhas filhas como as minhas noras são, constantemente, mulheres de armas a enfrentar a hora que passa e que lutam sozinhas, sem qualquer ajuda exterior, vencendo todas as escolhas.
Seria Mariana capaz de se integrar num movimento feminista?
Tenho um terrivel defeito, que, aliás, se encontra desactualizado: sou individualista. Sentir-me-ia incapaz de me filiar em qualquer organização. Não deixo, contudo, de admirar os movimentos que existem. Tento, simultaneamente, ajudar o meu semelhante no que posso, como já disse.
Preconceituada?
Não tenho qualquer preconceito - pronunciou tranquilamente.
Mas, neste particular, o jornalista interroga-se a si próprio em que medida a salvaguarda das aparências pode condicionar uma resposta.
Entrevista de Luís Cid Pinto a Mariana Rey Monteiro, Diário de Notícias, 10 de Agosto de 1980.

4 comentários:

Anónimo disse...

Blog fabuloso. Adorei alguns textos e a seleção das imagens. Bom trabalho. Continue

Margarida P.

Anónimo disse...

Um trabalho tão bom deixado a meio?
Este blog merece continuar!

José Daniel Ferreira disse...

E irá continuar.... apenas indisponibilidade de tempo que prometo estar a terminar. Este fim de semana haverá novidade.
Obrigado pela atenção.
DANIES

Anónimo disse...

Alguém me sabe dizer onde vive a Dona Mariana Rey Monteiro ? Esta informação era muito importante para mim pois sou um jovem que tenho muita admiração por esta Senhora e adorava poder visitá-la.
Obrigado