"Uma manifestação de amor ao fado
A actual fórmula dos concertos da Culturgest tem a graça de convidar o público para um encontro com o artista no final do espectáculo. Claro que esta interactividade é um pouco ingénua, porque há sempre um maluco de serviço que entende expor aos presentes as suas teorias sobre a origem do universo, acabando o artista por dizer pouco mais do que meia dúzia de palavras de circunstância.
Mas enquanto pôde falar e o maluco de serviço não apareceu, Aldina Duarte traçou uma comparação fundamental: disse que a diferença entre cantar numa casa de fados e cantar numa grande sala como a da Culturgest era a mesma que estar em casa com amigos que partilham as suas ideias ou estar no meio de uma manifestação por uma causa comum. O concerto da noite de sexta-feira foi, portanto, uma manifestação - a manifestação do amor de Aldina ao fado. Mas, como em todas as manifestações, houve palavras certas e actos falhados.
O público era uma mistura interclassista de fiéis, amigos da Caixa Geral de Depósitos e turistas, o que produziu uma amálgama de boas vontades que aplaudia sempre muito, qualquer que fosse a ocasião. Contudo, apesar da generosidade dos ouvintes, demorou algum tempo para que a voz de Aldina encolhesse as paredes do grande auditório até se sentir em casa, encontrando um espaço de intimidade essencial à exposição da sua arte.
Foi preciso esperar pelo mais emblemático fado dos fados - o menor, no tema M. F. - para que Aldina começasse a mostrar alguma da sua graça e a garra de fadista que se reconhece tanto nas suas letras como no seu disco. A partir daí, o concerto cresceu, com momentos de grande inspiração como Muro Vazio ou Estação das Cerejas, onde Aldina trabalhou sobre os graves, sem dúvida um dos seus melhores maiores trunfos.
Com um timbre limitado, Aldina é uma fadista à moda antiga - o que interessa não é tanto a limpidez da voz, a correcção da dicção ou o acerto da afinação, mas sim a quantidade de alma que é colocada em cada interpretação, com quanto de vida se embrulha cada nota. E aí, Aldina sempre foi generosa. O seu fado é pobre, rugoso, com arestas, mas tem a pureza dos velhos mestres. Em Portugal, ninguém com menos de 60 anos canta assim o fado - e isto é um elogio dos grandes." - João Miguel Tavares
2 comentários:
10 de julho, Aldina Duarte em Encontro marcado, na SIC Mulher, com Carlos Vaz Marques!
um dos melhores discos de fado de sempre - crua -!
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