sexta-feira, julho 20, 2012

O Roubo da Mona Lisa em 1911


A propósito da reportagem do jornal I sobre o roubo de Mona Lisa em 1911, deixo-vos aqui a capa que a Ilustração Portuguesa sobre esse facto, na sua edição de 04 de Setembro de 1911.

Roubaram a Mona Lisa. A história do homem que se apaixonou pelo sorriso da Gioconda

Por Rosa Ramos, publicado em 20 Jul 2012
 
Um dos quadros mais famosos do mundo foi levado do Louvre em 1911 e ninguém deu por falta dele durante 30h

Em Paris multiplicavam-se as teorias sobre o desaparecimento do quadro. Para uns, a Mona Lisa tinha simplesmente sido destruída por um louco. Para outros, o roubo fazia parte de uma misteriosa conspiração anarquista para fazer cair o governo. Havia também quem garantisse que o autor do crime teria sido um pobre homem que fora enfeitiçado pelo sorriso da mulher desenhada por Leonardo da Vinci. Uns diziam que o único propósito do acontecimento tinha sido pôr a nu as graves e inaceitáveis falhas de segurança no Museu do Louvre. Outros asseguravam que o quadro já estava a caminho da América do Sul. Ou que tinha sido avistado na Polónia. E na Alemanha. E nos Estados Unidos.
A sociedade francesa – atiçada pela imprensa da época – estava atónita com o desaparecimento da Mona Lisa. Mas a verdade é que durante 30 horas ninguém deu pela falta do quadro no museu. No dia do roubo, 21 de Agosto de 1911, o Louvre esteve fechado, como todas as segundas-feiras. E era costume que as obras expostas fossem emprestadas aos fotógrafos da casa. Por isso, no dia seguinte, quando alguém se apercebeu que a Mona Lisa não estava pendurada na parede, concluiu-se que algum deles se esquecera de a devolver a horas. O desaparecimento só foi levado a sério graças à insistência de um artista parisiense – que não parava de perguntar quando é que o quadro voltaria a ser reposto. Afinal ninguém sabia onde estava a Mona Lisa.
Às segundas-feiras costumava haver apenas um guarda de serviço no Salon Carré, onde a obra estava exposta. E, como se já não bastasse, o segurança ainda tinha de tomar conta, ao mesmo tempo, da enorme sala adjacente, a Galerie d’Apollon. Para choque da sociedade francesa, descobriu-se que não havia, no Louvre, um sistema de registo de entradas nos dias de folga. E os quadros não estavam seguros à parede com cadeados porque a administração do museu entendia que deveria ser fácil retirá-los caso houvesse um incêndio. A imprensa e a população mostravam-se horrorizadas com as falhas de segurança e o director do Louvre, Homolle, acabou demitido. Com ele, foi despedido o chefe da segurança. O primeiro jornal a dar conta do desaparecimento foi o “Le Temps”, logo na terça-feira à tarde. Nos dias seguintes, o “Le Matin” oferecia 5000 francos a qualquer vidente que ajudasse a descobrir o paradeiro do quadro. O “L’Illustration” prometia 10 mil por uma simples informação e subia a parada para os 40 mil para quem devolvesse a Mona Lisa inteira, garantindo anonimato ao ladrão.

A reconstituição do crime Enquanto isso, a polícia procurava seguir todas as pistas. O caso foi entregue ao prefeito da polícia de Paris, Lepine – um homem nada discreto, carismático e conhecido por nunca abdicar de um antiquado chapéu de coco branco. O inspector estava convencido de que conseguiria resolver o mistério num ápice. Afinal de contas, ninguém no seu perfeito juízo roubaria a Mona Lisa e o ladrão acabaria por tentar vender o quadro. Mas a confiança inicial rapidamente esmoreceu: todas as buscas se mostravam infrutíferas.
A 26 de Agosto, sábado, o juiz encarregado do caso, Henri Drioux, publicava o primeiro relatório da investigação. Com a ajuda de duas testemunhas, a polícia tinha conseguido reconstituir o crime com alguma exactidão. A primeira era um canalizador, que relatou como na segunda-feira, durante uma ronda de inspecção, tinha dado de caras com um homem jovem, com cerca de 1,75m de altura, bigode aparado à moda da altura e que envergava um blusão branco e comprido, igual ao de todos os operários do Louvre. O homem estava sentado numas escadas ao lado de uma pequena porta que dava acesso a um pátio interior e pediu ao canalizador o favor de a abrir. Estava trancada e, estranhamente, faltava-lhe a maçaneta. A segunda testemunha era um homem chamado Bouquet, empregado na secção de embalagens de um armazém e que relatou ter visto um homem com ar apressado a atirar qualquer coisa fora no exterior do museu. A polícia veio a encontrar, nesse local, a maçaneta da porta. Bouquet acrescentou que o indivíduo parecia dirigir-se para a estação de comboios
Apesar de as indicações parecerem vagas, havia uma outra pista que prometia dar frutos. Bertillon – o inventor do sistema de impressões digitais – analisou minuciosamente todas as impressões encontradas na moldura da Mona Lisa, deixada para trás pelo ladrão, e comparou-as com as dos funcionários do Louvre. Sobraram apenas duas marcas, que não correspondiam a ninguém do museu. E uma delas, de um polegar de uma mão direita, era perfeita.
Passaram-se dez dias e a polícia continuava empenhada em resolver o crime. Além de terem passado a pente fino as impressões digitais dos funcionários, os investigadores fizeram um levantamento de 257 nomes de antigos trabalhadores do museu. Entre eles, figurava o de um italiano: Vicenzo Perruggia. A polícia interrogou-o, esteve no apartamento onde vivia, mas a franqueza, a simpatia e a disponibilidade que demonstrou levaram os polícias a não o considerarem suspeito. Aliás, nem lhe foram pedidas impressões digitais para comparar com as da moldura.

O roubo Mas a verdade é que no dia 21 de Agosto de 1911 Perruggia tinha mesmo estado no museu. O Louvre estava fechado e a entrada só era permitida a funcionários: guardas, fotógrafos, artistas e operários encarregados da manutenção. Perruggia juntou-se a um grupo de operários no exterior do edifício – ainda conhecia alguns do tempo em que lá trabalhara como vidraceiro. Já dentro do museu, afastou-se sem levantar suspeitas e, às 7h20 da manhã, estava frente a frente com o sorriso da Mona Lisa. Tirou o quadro da parede e atravessou o pequeno salão a correr. Pelo caminho, retirou a tela da moldura e embrulhou--a num pano velho. Depois, tentou sair por uma pequena porta – que não contava que estivesse fechada à chave. Perruggia desaparafusou a fechadura, retirou os parafusos e tirou a maçaneta. Foi nesse momento que ouviu passos, enfiou a maçaneta no bolso e sentou-se nas escadas. Apareceu o canalizador que, ingenuamente, lhe abriu a porta. Perruggia saiu triunfante e calmo do museu. Com a tela debaixo do braço.

A resolução do crime Passaram dois anos sem que o caso fosse resolvido e o interesse do público pela Mona Lisa caiu a pique. Entretanto, o Titanic afundou--se na sua viagem inaugural. A Itália e a Turquia entraram em guerra. A Europa preparava-se para enfrentar o seu primeiro conflito mundial. E Perruggia convivia com o quadro, pintado quatro séculos antes, no miserável apartamento que tinha arrendado em Paris. Mais tarde confessou em tribunal que se apaixonou pelo sorriso da Mona Lisa. “Fui enfeitiçado por ele e todas as tardes me deliciava a olhar para ela, descobrindo mais e mais beleza e perversidade. Apaixonei--me por ela”, contou. No julgamento, um psiquiatra chegou a alegar que o italiano era mentalmente desequilibrado e, por isso, inimputável. Mas quando foi apanhado, Perruggia garantiu que roubara o quadro movido por razões sérias.
Em Novembro de 1913, o ladrão escreveu a um negociante de arte italiano, Alfredo Geri. Na carta – que assinou com o pseudónimo “Leonardo” –, Perruggia contava que tinha em sua posse o quadro de Da Vinci e que pretendia restituí--lo a Itália, de onde nunca deveria ter saído. Embora não pedisse dinheiro, o italiano insinuava que era um homem pobre. Assim que recebeu a missiva, Geri saiu a correr ao encontro de Giovanni Poggi, o director da Galeria Uffizi. Combinaram um encontro com Perruggia para o dia 10 de Dezembro, em Florença, num pequeno quarto do terceiro andar do Hotel Trípoli-Itália. E avisaram a polícia. Perruggia foi preso e confirmou-se que a tela era a original. Nos dias seguintes, generalizou-se em Florença a convicção de que a Mona Lisa deveria permanecer na cidade e que Perruggia tinha razão: a obra de Da Vinci nunca deveria ter saído de Itália. Era preciso que o país se vingasse de Napoleão – que, no século anterior, teria confiscado a obra. Mas a verdade é que foi o próprio Leonardo Da Vinci quem vendeu a Mona Lisa a Francisco I, rei de França, no início do século XVI. Face às evidências históricas, o quadro foi devolvido a França, apesar de autorizadas várias exposições em Itália. A Mona Lisa foi exposta na Galeria Uffizi e só no primeiro dia compareceram à chamada mais de 30 mil pessoas. Para comemorar o aparecimento do quadro, o Papa Pio X celebrou, no Vaticano, uma missa de acção de graças. Na Câmara dos Deputados de Itália, a notícia evitou uma cena de pugilato entre alguns dos membros. Em frente ao Louvre juntou--se uma multidão e o embaixador de França agradeceu pessoalmente ao primeiro-ministro italiano. O Hotel Trípoli-Itália mudou de nome para “La Gioconda”. Em 1911 ainda não se sabia se a Itália se iria aliar à Alemanha e à Áustria ou à Inglaterra e à França na guerra que estava prestes a eclodir e, para alguns historiadores, o incidente com o quadro de Leonardo da Vinci terá mesmo contribuído para um estreitamento das relações diplomáticas de Itália, que acabou a lutar ao lado da França e de Inglaterra.

O julgamento Perruggia ficou preso até ser levado a tribunal em Junho de 1914. Frente ao juiz, referiu-se à glória de Itália e ao roubo praticado por Napoleão. Estava convicto de que acabaria por ser aclamado como herói nacional. Mas os promotores públicos descobriram na casa do italiano uma lista de negociantes de arte escrita à mão. Afinal, Perruggia talvez tivesse sido movido por outras questões que não o patriotismo, argumentava o tribunal.
O ladrão da Mona Lisa foi condenado a um ano e 15 dias de prisão, mas conseguiu ver a pena reduzida – através de um recurso – para apenas sete meses. Depois de sair da cadeia, Perruggia voltou à aldeia natal, em Dumenza, no Norte de Itália, e alistou-se no exército. Casou com uma prima, com quem abriu uma loja de tintas em Paris. Ainda hoje há quem acredite que a Mona Lisa que está no Louvre não passa de uma falsificação e que o original está algures no Norte de Itália, escondido debaixo de uma mesa.
 
Link para o Jornal I

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