O afã de as pessoas em querer dar nas vistas torna-se, por vezes, patético. À «invisibilidade» reinante no passado (a discrição era um timbre das suas elites) sucedeu-se o exibicionismo da desbragação actual.
O impudor dos recém promovidos - novos ricos da política, das artes, da cultura, da ciência, da finança, da administração - fez-se, com efeito, insaciável. A comunicação social, sobretudo as televisões e as revistas róseas ensandeceram-nos irremediavelmente.
O conceito de que só existe quem aparece (nelas) tornou-se dogma - e objectivo de existência. Vende-se a alma ao diabo por um destaque nos média, seduzem-se (ou perseguem-se) jornalistas, provocam-se (ou ficcionam-se) acontecimentos para o conseguir. A vida privada é exposta, a família hipotecada, o corpo negociado, as convicções despidas.
As cenas mais desconcertantes que tenho presenciado são feitas por pessoas para ganhar evidência: políticos famosos entregam nos jornais entrevistas a si - fabricadas por si; autores de nomeada apresentam recensões de críticos estrangeiros - inexistentes; jovens cançonetistas e actores horizontalizam-se por uma notícia, uma foto, uma referência, um destaque.
O estarem do lado de dentro das redacções fez com que os jornalistas se tornassem, de uma maneira geral, irónicos ante estes vedetismos obsessivos. É que eles conhecem demasiado bem as costuras do sucesso, da popularidade, da moda, das ascensões e quedas para os levar a sério; sabem que as pessoas de valor não se encontram nas ribaltas, que os inovadores se situam fora dos marktings, dos tops, dos palcos.
Antes do 25 de Abril, os grandes criadores portugueses não tinham acesso à comunicação social pública, RTP, Emissora Nacional, etc. (e, como consequência, à privada), porque eram opositores políticos do regime; agora não o têm, ou quando o têm é irrelevante, porque não oferecem mais valias (audiências) ao sistema comercial (nela) vigente.
Os que dizem que «quem não aparece desaparece», deviam lembrar-se que «quem não aparece não aborrece». Torna-se, na verdade, um aborrecimento mortal ver quotidianamente (pateticamente) os propagandistas da moda, do oportunismo, da mistificação, da manipulação a abarrotar-nos de éticas públicas, de solidariedades insufláveis, de democracias instantâneas, de visibilidades coloridas - com as suas contas bancárias em engorda secreta.
O século em que entramos não passa de um reality show transmitido em directo, em vertigem, entre alegrias, ritmos, aplausos, entusiasmos fingidos por figurantes (mal) pagos à emissão.
Fernando Dacosta é Editor de Cultura da VISÃO
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