“José tinha dezassete anos e era, na opinião de
todos os que o viam, o mais belo dentre os filhos dos homens. Francamente, não
discreteamos com prazer sobre a formosura. Tanto a palavra como a ideia são
insípidas. A formosura não será um sofisma, um sonho exemplar? Supõe-se que há
leis reguladoras da beleza. Mas uma lei dirige-se ao entendimento e não às
sensações. As sensações escapam ao entendimento. Daí a insipidez da beleza perfeita
que não deixa nada a desejar. As sensações precisam de ter algo que perdoar,
senão viram-se para outro lado com um bocejo. Só o pedante, que ama o
consagrado, o convencional, pode apreciar a estrita perfeição a ponto de se
entusiasmar por ela. É difícil atribuir grande valor a essa espécie de
entusiasmo. Uma lei obriga e impõe exteriormente. A compulsão interior não é
obra de lei, mas de sedução. A beleza é uma magia exercida nas nossas sensações
e, como tal, sempre um tanto ilusória, muito vacilante e efémera em seus
efeitos. Coloque-se uma cabeça feia num corpo belo. Este só continuará a ser
belo se for visto no escuro, havendo portanto engano. Na verdade, quanta
ilusão, quanta artimanha, quanto engano andam envolvidos no assunto! O munda
está cheio de anedotas de rapazes vestidos de mulher que fazem andar à roda a
cabeça dos homens e de raparigas vestidas à homem que despertam paixões em
pessoas do mesmo sexo. Basta que se descubra o embuste para que as paixões
arrefeçam, porque a beleza perdeu o seu objectivo. Talvez até que a beleza
humana em seus efeitos sobre os sentidos não passe de magia do sexo. De modo
que, em vez de se dizer que um ente é formoso, falar-se-á com mais propriedade
de um homem perfeito ou de uma mulher absolutamente feminina.
Só através de uma vitória alcançada sobre si
próprio é que um homem, ou uma mulher, poderá referir-se à beleza do seu
semelhante. Raros são os casos, embora existam, em que a beleza provoca
sensações inteiramente destituídas de interesse prático. O que em geral entra
em jogo é o elemento da juventude, isto é, uma magia que as sensações têm
tendência a tomar por beleza. A juventude, quando não é prejudicada por senões
demasiado graves, suscita no observador a impressão de beleza, e até a si própria
causa a mesma impressão que o sorriso evidencia inequivocamente. O encanto da
juventude é a manifestação de beleza que por sua própria natureza paira entre o
masculino e o feminino. Um jovem de dezassete anos não é belo no sentido de
masculinidade perfeita. Também não é belo no sentido de uma feminilidade
destituída de alcance prático, o que atrairia bem poucas pessoas. Mas temos de
convir que a beleza apoiada na graça juvenil se inclina sempre mais, tanto
interiormente como exteriormente, para o lado feminino. Isto faz parte da sua
essência, das suaves relações da juventude com o mundo e do mundo com ela, como
o seu sorriso traduz. Aos dezassete anos, na verdade, pode ser-se mais formoso
do que uma mulher ou um homem; ser formoso pelo lado feminino e pelo masculino;
ser tão belo, tão gracioso que, diante de tanta beleza e tanta graça, os homens
e as mulheres fiquem boquiabertos, encantados.”
Sem comentários:
Enviar um comentário