Fernando Dacosta - Partir os Dedos
Andam contentes os nossos governantes: os europeus afagam-nos pela sua devota submissão, os portugueses amornam-nos com a sua pastosa quietude.
Comovido, o responsável por São Bento exulta com tal resignação – e acredita nela.
O português parece, na verdade, passivo, só que essa passividade não significa desistência, significa lentidão. Quando ele decide pôr-se em movimento chega a ser incontrolável; basta olhar a História para o perceber. As nossas guerras civis, as nossas revoltas populares foram, na verdade, terríveis. Só num século, o XX, despachámos a tiro um rei (D. Carlos), um príncipe herdeiro (D. Luiz) e um presidente (Sidónio Paes); nesse mesmo período fizemos duas revoluções (a do 5 de Outubro e a do 25 de Abril) e participámos em duas guerras: uma mundial (a primeira) e outra regional (a de África). Além disso exercitamo-nos com afinco na navalha, na sachola, no veneno, no atropelamento, na pistola, no ácido, uff!
Lembro-me de António José Saraiva ter-me admoestado por, certa vez, enfatizar os brandos costumes. “Não, o português não é nenhuma ameixa, é um pêssego”, exclamou. “Como o pêssego é macio, sumarento à superfície, mas no interior tem um caroço duríssimo. Frequentemente os políticos espetam-lhe os dedos com força e ... partem-nos!”
Começa, aliás, a transbordar já a taça da paciência nacional com as surpresas (inconcebíveis) dos economistas no poder ante o descalabro das suas políticas reducionistas. As ondas de protesto contra o Presidente estão, por outro lado, a lembrar as vaias a Thomaz nas vésperas do 25 de Abril.
Não estranhemos por isso se em breve surgirem à nossa volta muitas mãos engessadas.
Fernando Dacosta escreve agora às quintas-feiras no Jornal I
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