terça-feira, fevereiro 24, 2009

BARACK OBAMA E OS CHIMPANZÉS


Desenhar cartoons sobre Barack Obama está a tornar-se uma actividade tão sensível quanto rabiscar a face austera de Maomé. Como se já não bastasse a polémica palerma criada por uma capa da revista The New Yorker que procurava caricaturar todos os boatos rasteiros levantados sobre Obama durante a campanha, eis que um novo cartoon, publicado agora no tablóide New York Post, volta a originar um coro de protestos. Terrível razão: um aguerrido cartoonista americano ousou desenhar um… chimpanzé.

Aparentemente, devido à cor da pele do actual inquilino da Casa Branca, colocar chimpanzés, macacos ou quaisquer outros primatas em desenhos relacionados com o Governo dos Estados Unidos é tabu para a imprensa ocidental - um atrevimento que convém manter cuidadosamente afastado dos olhares mais sensíveis. Eis o malfadado cartoon assinado por Sean Delonas: dois polícias, acabados de balear um chimpanzé que jaz ensanguentado no chão, e um deles a dizer: "Vão ter de encontrar um outro tipo para escrever o próximo plano económico." Espantosamente, há quem consiga ver no defunto bicho uma alusão directa ao novo Presidente americano. Símio + EUA = Obama, não sei se estão a ver a sofisticação do raciocínio.

A verdade é que dias antes um chimpanzé (verdadeiro) havia mesmo sido abatido pela polícia no Connecticut, após ter atacado uma mulher - notícia que foi abundantemente citada pela comunicação social. Como, então, ignorar aquela que é a referência evidente para voltar a mergulhar no poço sem fundo do racismo? Mistério. O certo é que a pressão da opinião pública foi tanta que o New York Post - um jornal tão racista que apoiou nas primárias democratas Obama contra Hillary Clinton (ao contrário do The New York Times) - se viu obrigado a pedir desculpa pela caricatura, ainda que acrescentando timidamente que "às vezes um cartoon é apenas um cartoon".

Mas a máquina trituradora do politicamente correcto está-se nas tintas para o bom-senso e denota pouco amor pela liberdade de expressão. O que está aqui em jogo é uma falsa polémica em que o racismo está muito mais do lado de quem olha e aponta o dedo do que do lado de quem publicou o cartoon. Confundir, naquele contexto, um chimpanzé com Barack Obama roça a histeria racial. Esqueçam a eleição do primeiro presidente negro: a questão da cor da pele só estará definitivamente ultrapassada quando um cartoonista desenhar sátiras à nova Administração envolvendo macacos sem que alguém lance sobre ele um anátema. Os humoristas já tinham avisado que iriam ter vida difícil com Obama na Casa Branca. Mas isto, há que admitir, é perfeitamente ridículo.
Diário de Noticias, 24 de Fevereiro de 2009. Opinião de João Miguel Tavares

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