domingo, setembro 10, 2017

Comidas e Práticas do Sistema Alimentar na Região do Fundão


E, por vezes, as boas surpresas acontecem. Esta tese de Vasco A. Valadares Teixeira - Comidas e Práticas do Sistema Alimentar na Região do Fundão, Edições Colibri, 2005 - é muito, muito interessante. Além de uma excelente "viagem" pela memória material e imaterial pela Cozinha (cap. I) e Manjares e Comensalidades (cap. II) na região do Fundão, ainda somos presenteados por uma colectânea significativa de receitas que compreende "pão, colações e merendas, sopas, pratos, doces e fritos, enchidos e condimentos e molhos". 

Era tão bom ver replicado este género de estudo para todo o país. Uma delicia. 

O livro pode ser adquirido nas Edições Colibri

quinta-feira, setembro 07, 2017

A "polémica" Uma Casa Portuguesa de Mísia


Esta “polémica” em torno da recusa de Mísia em interpretar num concerto na Argentina o Uma Casa Portuguesa, revelou-se muito interessante. Não pela polémica em si mas sim no como realidades diferentes podem suscitar interpretações diferentes de um mesmo tema.
Resumindo, parece que a Mísia foi a uma grande sala de Buenos Aires fazer um concerto de homenagem a Amália Rodrigues. Parece que alguém da plateia gritou, pedindo o tema, o “Casa Portuguesa”. A Mísia recusou-se a interpretar o fado, o que está no direito dela… podia não o saber, não o ter ensaiado, etc. etc. Mil e uma desculpas plausíveis estavam ao seu alcance para negar a sua interpretação. Mas foi mais fundo, dizendo: “Não, não vou cantar ‘Uma Casa Portuguesa’. Não cantei durante 25 anos de trajectória nem cantarei jamais, porque não gosto dessa ideia de uma casinha pobrezinha com um pouco de pão, um pouco de vinho. Não gosto dessa questão humilde da letra.”
Esta é, aliás, a leitura que habitualmente se faz desta música. Vasco Graça Moura, no seu ensaio Amália: dos poetas populares aos poetas cultivados refere: “Mas o certo é que se deparam outras possibilidades importantes para a abordagem do tema genérico da tradição. E, nessa perspectiva, equacionar a tradição com a história portuguesa anterior ao 25 de Abril implica também revisitar o mundo que essa tradição não só espelhava como propunha como “ideal de felicidade”, pondo esta expressão entre aspas muito carregadas. (…) À religiosidade simples, a que o fatalismo respirado na sina vivida não vai sem acrescentar uma nota supersticiosa, acresce um mundo que se pretende pitoresco, mas que é de carência apresentada, vivida e tomada metaforicamente como “abastança”. O fado tradicional dos anos 30, 40 e 50, nesse sentido, faz gala da escassez, da pobreza e da humildade da condição que, segundo as letras, são as das suas personagens, em especial dos amantes, o que também acabaria por ter, evidentemente, um sentido político de rejubilação legitimadora da propaganda nacional promovida pelo respectivo secretariado.
Uma casa portuguesa, de 1953, com letra habilmente engendrada por Reinaldo Ferreira e Vasco de Matos Sequeira e música de Artur Fonseca, e esplendorosamente interpretado por Amália Rodrigues, tornou-se um autêntico cartaz musical de propaganda do SNI, em Portugal e no estrangeiro. Neste paradoxo de se tratar de um belo fado, um dos melhores de Amália, que serviu medíocres motivações políticas, todos os rodriguinhos são convocados: o sabor do pão e do vinho oferecidos a quem bate à porta, a “alegria da pobreza”, o “fumegar da tigela”, o ambiente modesto da casa, do “conforto pobrezinho do meu lar”, o “pouco, poucochinho” que basta “para alegrar uma existência singela”, entrelaçando-se com o registo do amor e do carinho de quem oferece hospitalidade…
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!”
Mas o interessante no episódio passado com Mísia, é que a leitura actual desta fado, para uma parte significativa, importante e “marginal” da sociedade portuguesa – os Emigrantes – é outra. E a leitura que é feita, mais profunda, mais umbilical, mais terrena, muda a perspectiva da história do próprio tema. Como passados mais de 50 anos da escrita do mesmo, a dimensão memorialista, política e histórica passa a ser outra… vejam-se as reacções de alguns emigrantes presentes no concerto:
“Caiu muito mal na comunidade. Todos os emigrantes ficaram estupefactos, porque todos nós crescemos numa casa assim. Ao criticar essa canção, criticou a casa de todos nós e as nossas origens.” – Armando Lopes Martins, que chega a Argentina no ano em que o fado é composto.
“A minha mãe ouvia ‘Uma casa portuguesa’ e chorava. Vivíamos numa casa muito humilde, alugada. Não tínhamos nada no bolso. O meu pai esforçava-se dia e noite para trazer o pão para casa, como diz a letra”, recorda. “Essa canção era, na época, o nosso vínculo com Portugal”.
Se para muitos – posso estar a ser redutor, mas atrevo-me a dizer burgueses, citadinos e instalados – este fado é salazarista, miserabilista e odioso, para tantos outros ele traduz – ou será reconstrói? - a memória e a história das suas infâncias e vidas. Se tantos vêem neste tema a propaganda cinzenta de outros tempos, outros tantos vêem a descrição da realidade que conheceram, o resumo de suas vidas. O modo de vida que descreve o tema levou-os até ali, sem amarguras – deduzo do que li -, sem intelectualizações ou politizações, à maior sala de espectáculos da América Latina (e a terceira no mundo) para um (re)encontro com Portugal. Uma catarse?
Mísia não terá percebido – ou pensava que a sala se enchia apenas com argentinos? – que o Centro Cultural Kirchner de Buenos era Uma casa portuguesa!
(P.S. Basta atender que um dos maiores sucessos cinematograficos nacionais - A Gaiola Dourada - tinha como música de apresentação Uma Casa Portuguesa. Um filme de um filho de emigrantes sobre emigrantes.)

quinta-feira, novembro 19, 2015

Maria Barroso e a defesa do Teatro nacional

 
 
 
 

Maria Barroso e a Defesa do Teatro nacional... ou os excessos revolucionários de um punhado de idiotas. 
Que bonita aquela discreta nota de rodapé... ainda está por fazer a história dos sacanas e oportunistas em Portugal

Álbum de Memórias de Maria Barroso - volume 9 - Pelos Caminhos da Liberdade - Edição Jornal Sol

sábado, junho 13, 2015

Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português no Museu Nacional de Arte Antiga





















A exposição Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português, patente no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, é merecedora de uma visita demorada e atenta.
O meu gosto por Josefa de Óbidos é limitado. Restringe-se sobretudo, e talvez pelo meu interesse pela culinária - em especial pela doçaria - aos quadros de natureza morta onde a "mesa" é o tema central. A forma como nos apresenta a doçaria conventual, os queijos, certas frutas e flores, as faianças e os barros, e certos utensílios do quotidiano em redor da mesa são excepcionais. Para mim, e esta observação vale o que vale, o interesse de Josefa de Óbidos não está no quadro como um todo mas nos pormenores, nos pequenos pormenores que, salvo raríssimas excepções, se encontram em todas as suas pinturas. A pintura de Josefa de Óbidos (e de outros que compõem a exposição: Zurbarán, Baltazar Gomes Figueira - Pai de Josefa -, entre outros) requerem tempo, atenção e contemplação. São riquíssimos de informação,  que nem sempre é perceptível num olhar rápido.

No entanto, a pintura de Josefa vai muito para além da doçaria. Representações da Virgem, do Menino Jesus, de Santa Teresa, um extraordinário Cristo flagelado, de costas ensanguentadas e muito mais pode ser admirado nesta exposição. As temáticas, os materiais e os interesses são variados. Uma certeza, porém, une todas estas obras: a Beleza.

“Não pretendemos que a exposição seja sobre toda a obra conhecida da Josefa”, explica Joaquim Caetano. “Pretendemos mostrar que, ao contrário do que se pensa, ela não é uma pintora de naturezas-mortas. Não é uma rapariga que está fechada em casa a pintar bolinhos.”

Vá ver por si mesmo... não se fique por estas pequenas e fracas imagens - que não são todas de obras de Josefa de Óbidos - que pouco ou nada transmitem a verdadeira dimensão da obra exposta.